"A lei é um mero detalhe; a lei é para os outros, não para Lula."

Marcelo Rocha Monteiro
O jornalista Ascanio Selene diz, no Globo de hoje, que “Lula é um preso especial” e que, “mesmo que não tenha (direitos “especiais” previstos por lei), não pode ter o mesmo tratamento dos simples mortais.

A lei é um mero detalhe; a lei é para os outros, não para Lula.

Por quê? O jornalista explica:

Porque “Lula é um ícone nacional”.

Vejam esse trecho, em que ele chama de “ridículas” as razões apresentadas pela Polícia Federal para pedir a transferência de Lula:

“Lula estaria causando transtornos à instituição e à sua vizinhança. A PF diz que ali emite passaportes. Sim, e daí? Que está tendo despesas. Sim, e daí?”

Ou seja: o transtorno à vizinhança e às pessoas que necessitam dos serviços da Polícia Federal, bem como a despesa extra para os pagadores de impostos, são descartados como irrelevantes pelo jornalista, para o qual, acima de tudo, importa preservar os privilégios do “ícone político”.

Se esses privilégios estão ou não previstos em lei, isso é mero detalhe - a preocupação com a lei, nesse caso, é definida pelo colunista com uma palavra, que abre e encerra o artigo: BOBAGEM.

Bobagem da juíza, que é chamada por ele de “impertinente” (ora vejam só!); bobagem da Polícia Federal, cujas alegações são “ridículas”.

Afinal, prossegue o senhor Ascânio, “o sistema carcerário brasileiro é uma vergonha (...) não é possível colocar Lula num ambiente destes”. Lula “é um ícone político”, e por isso “tem que cumprir pena (...) em um ambiente especial”.

Já os demais brasileiros...

Para nos dar um alento, e fazer um contraponto, o jornalista Carlos Alberto Sardenberg, em seu comentário matinal na rádio CBN, diz que um ex-presidente da República corrupto não só não merece privilégios como, pelo contrário, merece uma punição ainda mais severa do que os “cidadãos comuns”. Acrescenta que o que o episódio vergonhoso de ontem mostrou foi que os membros da elite do poder realmente sabem fazer é se protegerem uns aos outros.

Para fazer uma autêntica República de Bananas, é preciso um ex-presidente como Lula.

É preciso um tribunal como o STF, que julga às 17h um pedido feito pela defesa de Lula às 14h, enquanto uma senhora de Minas Gerais, que esperava há anos o julgamento pelo mesmo tribunal de uma ação em que pedia acesso a medicamentos, morreu da doença sem ver o caso julgado.

É preciso ter políticos como Rodrigo Maia, que manda uma comissão de deputados pedir para Toffoli julgar imediatamente o pedido da defesa de Lula (logo após o próprio Maia criticar a decisão da juíza). Carteirada aplicada com sucesso.

E, claro, é preciso ter um idiota como esse senhor Ascanio com uma coluna fixa num dos maiores jornais do país, defendendo a velha ideia de que todos são iguais perante a lei, mas uns são “mais iguais” do que os outros.

E se você pensa diferente, é “bobagem”.


Marcelo Rocha Monteiro é professor na Faculdade de Direito da UERJ

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