A continuidade do enfrentamento ao Stablishment:

Filipe G. Martins 
A sedução de evitar o questionamento do status quo em nome de uma suposta estabilidade é uma das grandes tragédias do Brasil: se nos entregamos ao fatalismo e inevitabilidade em relação às questões nacionais mais centrais, a conciliação se torna a única opção possível.

O problema é que, quanto menos se questiona e quanto mais se concilia, mais nos resignamos aos termos e regras dos donos do poder — de modo que a conciliação se converte em mero abandono de nossos próprios valores e metas, em nome das metas e valores do establishment.

Isso contribui para a perpetuação da base patrimonialista de poder, problema crônico do Brasil que garante a preservação do domínio daqueles que controlam a estrutura do poder estabelecido, fazendo deles os únicos beficiários da ilusão de que não há opção fora da conciliação.

E a sobrevivência do establishment está assentada justamente sobre essa ilusão. No Brasil, sempre que um movimento de mudança se defronta com o establishment, ele é confrontado com a escolha entre ceder ou seguir avançando. Historicamente, todos os movimentos acabaram cedendo.

O grande problema, como vimos acima, é que quanto mais se cede, mais estreitos se tornam os projetos de mudança que deram origem a esses movimentos; e quanto mais estreitos se tornam esses projetos, mais estreita se torna também sua margem de ação e sua capacidade de mudança.

Assim, um movimento que ascende com base em um projeto de restauração dos valores tradicionais, moralização da política, garantia da lei e da ordem e descentralização e redução do poder político, pode, via conciliação, acabar se conformando com a mera garantia da estabilidade.

E, ao fazer isso, sacrifica um horizonte mais amplo (que inclui os elementos centrais do projeto de mudança) em nome de uma ligeira (e possivelmente ilusória) melhora da situação, por meio da persecução da estabilidade como fim em si mesmo—um estreitamento total do horizonte.

Ao sacrificar, por fim, esse horizonte mais amplo, qualquer movimento de mudança acaba desmobilizando as forças que permitiram sua ascensão e vinculando o apoio popular restante a uma virada de mesa que dificilmente virá.

Com isso, acaba por reforçar justamente a ordem de coisas que pretendia mudar, resignando-se a fazer concessões até que possa ou tenha que falar de novo em mudança, ocasião em que será tarde demais e qualquer mudança não passará de uma lembrança distante de um sonho frustrado.

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