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Aurélio Schommer |
Bem, eu fui socialista. E já era intelectual. Mesmo mudando para a direita, acabei, por conta de circunstâncias, seguindo na área de estudos sobre ciências humanas ou afins: história, antropologia, ciência política, filosofia etc.
Quando se mergulha nessa área do conhecimento (do conhecimento possível), esbarra-se na sentença de Popper: conclusões são impossíveis. Não se trata de verdades falseáveis, não há certezas.
Diante da esterilidade, do exaspero ante a incerteza, flerta-se com a saída fácil: considerar o indivíduo como um ser meramente reativo, incapaz de formulações válidas não quantitativas.
Então há dois caminhos. O caminho liberal, a partir de uma visão da história quantitativa, atenta aos números registrados, não aos discursos. Ou o caminho mais fácil: o da criação ou adesão a um sistema de crenças, que naturalmente explica tudo, é "ciência", como quer Marx, é fé redentora na revanche dos "oprimidos" e na supremacia do tribalismo, como querem os pós-modernistas.
Como a academia tem a Igreja como modelo (a Santa Sé inventou esse negócio, a partir da abadia de Bec, com Santo Anselmo de Cantuária), eis uma zona de conforto óbvia. Pode-se cultivar peculiaridades personalíssimas, dar-se a vícios (sexo, jogos, carboidratos, compras) e cultivar prazerosas amizades entre os pares, desde que os dogmas fundamentais sejam respeitados.
No Brasil, em que os indivíduos alunos dão razão à tese de que são apenas reativos, incapazes de formular o que quer que seja, tornou-se natural conciliar mesmo o inconciliável (marxismo e pós-modernismo) a partir de mera reatividade contra a "direita", pois não havia compromisso sequer com a produção de conhecimento, tanto porque todo conhecimento em humanas é sofismável quanto porque a sociedade nunca se preocupou com isso para além da moralidade sexual (nosso principal Fla x Flu segue nisso, até hoje).
Some-se a isso o atávico apreço luso-tupi pelo bacharelismo ("As qualidades que mais admiramos são as que nos faltam" - Ortega y Gasset), a estabilidade de professores funcionários públicos (bem remunerados, sobra até para "comer gente", como disse Bolsonaro), a tentação da tábula rasa de mentes estudantis livres de conteúdo, e deu no que deu.
Igrejas não podem abrir mão de dogmas. Não seria a modernização da esquerda europeia, de resto ignorada por aqui mesmo pelos acadêmicos, a causar qualquer tensão nesse padroado régio que são nossas universidades públicas.
Eu conheço alguns da turma. É gente sorridente, até de bem com a vida. Não poderia ser diferente. Não são cobrados por resultados, não são contestados por ninguém, vida mansa, sombra, água fresca e estudantes devotos. É só repetir a homilia, segurança de uma vida plena, de bem com todo mundo em volta.
Recentemente, o mundo fora da academia (e alguns heróis dentro, como Roberto Ellery, Ricardo Velez Rodriguez e Rodrigo Jungmann) passou a contestá-los. "Fascistas", claro. "Hereges" seria uma palavra mais adequada, mas na fé nominal de nossos acadêmicos, a Igreja é fé adversária.
De modo que a deficiência cognitiva está presente também em nossa academia, ora porque as coisas dos conhecimentos não falseáveis são sem solução (podem apenas ser ressimbolizados, como advogava Wittgenstein), ora pelo padroado régio. É só lembrar das deficiências cognitivas (e morais) de nossos clérigos quando da vigência do padroado régio para entender a que tradição pertencem nossas universidade públicas. É o que eles gostam de chamar "lógica perversa".
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