Quando o argumento é bom, vale a pena ser repassado:

Do NE10


GRANDE RECIFE // ARTIGO

A busca por um culpado pelos ataques de tubarão no Recife

Publicado em 23.07.2013, às 20h02


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Carlos Frederico Martins foi atacado quando surfava em Boa Viagem, em 24 de julho de 1994
Foto: cortesia

Do NE10
Vítima de ataque de tubarão em julho de 1994, na praia de Boa Viagem, no Recife, que resultou na perda do seu pé esquerdo, o turismólogo Carlos Frederico Martins, 34 anos, enviou artigo ao NE10 nesta quarta-feira (23), onde analisa o ataque ocorrido nessa segunda-feira (23) à turista paulista Bruna Gobbi. 

"Como vítima, me sinto à vontade para opinar sobre o ocorrido. É preciso investir em campanhas educativas e, principalmente, em estrutura que resultem em um melhor atendimento às vítimas", afirma Carlos Frederico. 

Quando foi atacado, Carlos Frederico tinha apenas 15 anos. Na época, o surfe ainda não era proibido em Boa Viagem, e o jovem buscava suas ondas a cerca de 50 metros da praia. Nesta quarta-feira (24), o encontro com o animal que com uma mordida arrancou o seu pé esquerdo completa exatos 19 anos. Para ele, o tubarão também é uma vítima da ação do homem. Confira o seu artigo abaixo:

A busca por um culpado pelos ataques de tubarão no Recife

"Após ler diversos comentários no Facebook e no JC Online, não consegui me conter e decidi escrever algo em relação ao ataque de tubarão ocorrido em 22 de julho de 2013. Sabemos hoje que a praia de Boa Viagem, além de famosa pelas suas belezas, também ficou famosa pelos ataques de tubarão. Desde 1992, foram contabilizados, oficialmente, 59 ataques, sendo 24 deles letais. A nossa estatística é assustadora. 

Mas fiquei preocupado com a reação das pessoas em relação ao ocorrido, especialmente em buscar um culpado. De repente não houve um culpado, mas vários. O que falarei aqui é baseado no que li na imprensa, pois, atualmente, não moro mais no Recife. 

Foi informado que, no local do ataque, as placas estão bem expostas, sendo três delas em português e inglês. A banhista, segundo relatos na internet, foi informada da situação e perigos do local pelo corpo de bombeiros. Apesar disso, ela, a banhista, que é livre para ir e vir, decidiu se arriscar. Corrijam-me se eu estiver errado quanto a isto. Cruamente fazendo esta leitura, a culpa, neste momento, é da banhista que assumiu o risco, apesar dos avisos. Sei que é uma vida perdida, mas quando decido pular de paraquedas e ele não abre sei dos riscos que estavam envolvidos, apesar de querer que nada de ruim aconteça. Conversando com o pessoal do Instituo Oceanário há alguns anos atrás, eles me disseram que o trabalho de conscientização que é feito por eles na praia é muito difícil. Em um domingão de sol, não é fácil conversar com pessoas que estão alteradas depois de terem bebido o dia inteiro na praia. Eles simplesmente ignoram os avisos e as orientações.

Após o incidente, viu-se claramente que o corpo de bombeiros agiu com rapidez. Em questão de segundos, o jet ski e outros salva-vidas estavam na água para resgatar a moça. Aí vale um comentário aos que criticam os salva-vidas: quero ver quem é “cabra macho” pra entrar na água com um tubarão de mais de dois metros ao seu redor em meio a uma poça de sangue. Neste ponto o corpo de bombeiros agiu de forma brava e rápida, porém, a meu ver, o resgate foi em vão, pois a continuidade do atendimento em terra foi lenta demais, e colocou os esforços por ralo abaixo. Em 1994, quando sofri meu ataque na praia de Boa Viagem, saí da água sozinho com minha prancha e fui resgatado pelos outros colegas que surfavam. Imediatamente eles pararam o trânsito e me colocaram em um carro que, mais adiante, me deixou no posto da polícia, que estava cercado pela multidão que celebrava o aniversário do Sport Clube do Recife na Avenida Boa Viagem. 

Seguimos até a restauração e recebi o atendimento adequado. E olha que o tubarão arrancou meu pé esquerdo inteiro em uma mordida. No caso da banhista, temos que perguntar: a UPA estava preparada para este tipo de socorro? Os salva-vidas tinham a estrutura adequada para fazer os primeiros socorros de uma vítima neste estado? Não seria adequado o Samu, ou algum veículo de resgate, estar de prontidão nas proximidades da praia para ser acionado nestes casos?

O outro ponto que me deixa curioso é querer colocar a culpa disso tudo nos tubarões. Logo eles que são as grandes vítimas de tudo o que se fez em nome do “progresso” do estado. É evidente que a construção de Suape e outros impactos ambientais ocorridos em nosso litoral desde 1992 fizeram com que os tubarões se deslocassem de um ponto para outro. Onde antes existiam equilíbrio natural e alimento abundante, hoje existe uma estrutura enorme para receber navios de grande porte. Quer saber do impacto de Suape? Pergunte aos ribeirinhos daquela área o quanto a oferta de peixe diminuiu e afetou a vida econômica deles. Culpar os tubarões por esta situação é estupidez. É querer uma solução imediata para aliviar o ódio irracional. Dizer que um animal que está há milhares de anos habitando os oceanos deve ser exterminado é um absurdo. Não trará as vítimas mortas de volta e nem tornará a praia segura como era há 20 anos.

Em 24 de julho deste ano completarei 19 anos que vivo minha vida usando uma prótese depois de ter sido atacado violentamente por um tubarão na praia de Boa Viagem. Na época, o surf não era proibido e os ataques não eram tão frequentes. Depois de alguns anos de ataques, proibiram o surf e, até, incineraram pranchas como solução e nada adiantou. Na minha humilde opinião, as seguintes providencias deveriam ser tomadas em uma tentativa de minimizar a situação: 

» o corpo de bombeiros receber treinamento e estrutura adequadas para cuidar de uma praia como a de Boa Viagem (nos Estados Unidos, eles têm postos de observação com megafones para alertar os banhistas quando eles avistam perigo e, também, veículos que ficam à disposição para resgate); 

» dar poder de retirar e até multar os banhistas e surfistas que não seguirem a orientação dos salva-vidas; 

» os hotéis orientarem seus hóspedes quanto aos cuidados do banho de mar (sim, e isso não vai espantar os turistas, já foi provado por meio de pesquisas que eles têm mais medo da violência do que dos tubarões);

» os hospitais e UPAs próximos ao litoral se adequarem para receberem vítimas de ataque de tubarão; 

» e, finalmente, ser feito um trabalho educacional com a população local, esclarecendo sobre o comportamento dos tubarões, quais espécies temos em nossa praia e como conviver com eles. 

Óbvio que algumas das sugestões acima já foram feitas, mas não sei se foi pra valer, e me dá a impressão que foi feito de qualquer jeito, sem levar a sério, apenas para dar uma resposta à imprensa e a população.

Será que esse foi o último ataque? Gostaria de achar que sim, mas creio que a 60º vítima aparecerá cedo ou tarde. O ponto é adiar ao máximo esse acontecimento e, em acontecendo, que estejamos preparados para salvar vidas de fato. Lembre-se que não existe essa de “não acontecerá comigo”. Aposto que todas as vítimas, inclusive eu, pensávamos da mesma forma.

Carlos Frederico Martins - Formado em Turismo, com pós-graduação em Propaganda e Marketing, vítima de ataque de tubarão em 24 de julho de 1994, quando perdeu o pé esquerdo na ocasião."

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