Sabedoria Universitária, Bolha de ignorância:


Chega, por favor, para mim basta! Eu quero voltar para a bolha. Nela eu não via homens adultos desejando uma criança de 12 anos e a chamando de mulher. Não os via defendendo que antigamente garotas casavam com essa idade, não os via chamando isso de amor nem de opção sexual não compreendida. Na minha bolha, criança brincava de boneca, pique-esconde e bola na rua. Eu brinquei assim protegida pela minha bolha, sem medo de algum homem estar me olhando com maldade na rua. Sem medo de voltar pra casa mais machucada do que com um arranhão no joelho, ou mesmo medo de não voltar para casa.

Na minha bolha, tão segura bolha, eu admirava a minha mãe. Mesmo com problemas pessoais que não cabem a esse texto, eu entendia que ela nem sempre estava em casa porque meu pai não quis ficar com a gente. Ela me explicava “Mamãe tem que trabalhar” e eu entendia. Ela chegava cansada e a minha mente infantil demorou a entender porque ela não queria brincar comigo. Mas mesmo assim eu admirava que ela fosse tão forte. O que eu não sabia, é que fora da minha bolha, tanta gente falou mal dela por causa de um termo que eu só entendi quando já era grandinha, um tal de “mãe-solteira”. Fora da minha bolha, fizeram que eu tivesse raiva da minha mãe por tanto tempo... Tenho vergonha disso hoje.

Eu ia e voltava da escola numa condução escolar que a minha mãe pagava. O que ouvi dentro da minha bolha é que era para minha proteção. Achava bobagem, eu era uma menina grandinha. Sabia atravessar a rua e a escola nem era tão longe. Dentro da bolha, tão protegida e mesmo assim eu queria voar. Como eu quero voltar para ela agora! Não queria saber que hoje, minha mãe teria medo até do motorista da condução. Na verdade, provavelmente ela já tinha esse medo na época.

Na minha bolha o amor era tão bonito. Como nos contos de fada, um dia um bonito rapaz se encantaria por mim e eu por ele e nós seríamos felizes para sempre. Minha bolha não me preparou para as decepções e alguns abusos psicológicos que sofri com meus primeiros namorados. Eles nem sempre eram gentis, e quando eu reclamava eu aprendi que “homem era assim mesmo”. Hoje eu sei que não é assim, mas os primeiros passos para fora da minha bolha doeram muito. Ninguém disse que ser mulher era tão difícil.

Hoje, lendo várias notícias ruins, eu fiquei com medo de ter nascido mulher. Escrevi cada uma dessas palavras segurando o choro de desespero, de pavor. Na minha bolha, eu não sabia que tinha tanto risco, tanto perigo me esperando. Não sabia que ia ter medo de andar de saia dentro do metrô, porque algum cara pode estar gravando a minha calcinha sem eu saber. Não sabia que sentiria tanto medo de sair do trabalho até o ponto de ônibus, mas depois de uma tentativa de assalto, me assusto até com minha sombra. Sem falar que a rua é tão pouco iluminada e deserta que, encontrar um homem caminhando nela no mesmo horário que eu, me faz suar frio. Não sabia que iria preferir ficar com minha mochila nas costas dentro de um ônibus lotado, mesmo correndo o risco de alguém abri-la, tudo para não ser "encochada" por nenhum homem. Minha bolha podia ser de ignorância e muita inocência, mas me fazia sentir que estava segura e que não havia tanta maldade no mundo, principalmente destinada a mim e só por causa do meu gênero. Estou fora da bolha, vejo tudo com clareza. Mas apesar do sentimento de revolta, de querer que tudo isso mude... O principal sentimento ainda é o medo. E ao contrário do que eu aprendi, nenhum príncipe vai me salvar.


Mariana.

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