Obrigada por lavar os pratos:

Meu amigo se foi. Ele morreu ainda jovem, antes de completar os quarenta e como dizem por aí que ela, a vida, só inicia após quatro décadas, se foi antes de conhecer totalmente os prazeres simples e um pouco mais.
Ir até seus parentes, outros amigos, próximos que estavam ali, junto ao corpo precisava de uma preparação não só gráfica, mas mental. Eu já havia frequentado ocasiões assim, antes, até organizado textos para inspirar, tentar consolar, essas coisas. Eu chegava mais cedo, perguntava algumas informações sobre o(a) falecido(a), anotava pontos importantes e quando todos, reunidos ao redor do corpo esperavam as palavras, eu as proferia solenemente ancorado nas Escrituras Sagradas, mas agora...
Sabia quem tinha sido, conhecia seus sonhos, ideias, planos para futuro próximo e mais distante. Não precisava perguntar a ninguém. Isso não facilitou meus pensamentos, aquele aspecto de ser "pessoal", entende?
Bem, vamos lá: Texto pronto, palavras escolhidas cuidadosamente, conversa prévia com a jovem viúva e uma ida à cozinha. A louça do dia anterior ainda estava na pia, esperando alguém para lavá-la. Os preparativos com relação ao finado haviam sido feitos, mas restavam os pratos.
Pus a Bíblia de lado, o texto pronto e comecei, um a um, esponja, detergente, sabão, água. Enxágue, secar e guardar. À medida que retirava sujeira, punha sob a torneira e colocava no escorredor, lembrei-me dos momentos em que conversávamos juntos, ele fazendo alguma atividade e eu só de olhar. Não se preocupe, deixe que eu faço tudo, falava ele quando eu oferecia ajuda.
Chegada a hora do discurso fui procurado pela viúva. Achando-me ali, naquela atividade, ela apenas disse que precisavam de mim na sala. Terminei e fui e, antes de começar a falar a esposa do amigo pediu a palavra: Obrigada por lavar os pratos, é uma ação atenta, cuidadosa e acertada. Possui mais força nesse momento do que as palavras escritas, pois notou-se uma necessidade que ninguém havia reparado até agora. Agradeço pelo ato.
E comecei a falar do nosso amigo em comum.

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