A TRADIÇÃO DA MEDICINA:



Em meu livro anterior, A Morte da Medicina[1], falei a respeito de como a medicina – por meio da bioética – pode ser utilizada para transformar e deturpar os valores de uma sociedade. Utilizando um artigo que anunciava o suspeitíssimo conceito de “Aborto Pós-Nascimento”, escrevi sobre os fundamentos filosóficos da medicina, incluindo a sua perspectiva moral tradicional.

Contudo, a essência daquela obra era crítica, e faltava uma publicação de caráter mais propositivo, detalhando características importantes da tradição médica ao invés de criticar somente os desvios éticos da época contemporânea.

Tinha uma obrigação a cumprir, iniciada com o livro recém-publicado: A Tradição da Medicina.

Na primeira parte deste segundo livro eu falo especificamente da tradição hipocrática e cristã da medicina, isto é, da necessária moral tradicional médica da civilização ocidental, tão desprezada por uns, tão amada por outros. Como interpretar o Juramento de Hipócrates? Talvez o mais conhecido dos antigos documentos médicos? Será que a leitura dos clássicos hipocráticos ainda tem alguma serventia ao aluno de medicina ou de outras áreas da saúde? Será que os instrumentos de análise cultural necessários podem contribuir na formação ética e científica de um profissional de nível superior?

Respondo que sim. Ler os clássicos serve como fonte de inspiração e treino das capacidades mentais, como já descobrira William Osler[2] e diversos professores que, juntos, escreveram o Relatório de Yale de 1828 sobre Educação Superior.[3]

O livro recém-publicado inicia justamente na análise do riquíssimo conteúdo moral e cultural contido no Juramento de Hipócrates, e em sua aplicação à educação médica contemporânea e à ética médica. Na análise também há uma resposta à crítica fácil e inadequada que corre pelo cenário brasileiro e pelo cenário internacional da Bioética.

Dentro da tradição moral médica, também busco o resgate da linguagem das virtudes, negligenciada por muitos nas discussões éticas e bioéticas. O fato é que princípios, valores e benefícios existem no interior de vidas concretas e no âmbito de suas relações, como muito bem lembra Alfonso López Quintás.[4] Para isso, a linguagem utilizada segue os passos de Edmund Pellegrino e David Thomasma, pensadores na linhagem tomista.

Por fim, demonstro a organização dos dois primeiros anos do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina como possível exemplo para auxiliar aqueles que desejam iniciar suas próprias caminhadas no estudo das Humanidades Médicas. Meu pressuposto básico foi a divisão dos estudos conforme a teoria aristotélica dos quatro discursos, uma excelente ferramenta pedagógica sistematizada pelo filósofo brasileiro Olavo de Carvalho que ainda promete oferecer muitos desenvolvimentos para a cultura brasileira.[5]

Uma obra que demorou doze anos para ser iniciada foi disparada com o livro A Morte da Medicina, e agora, uma sequência de livros se aproxima com o objetivo de resgatar a identidade cultural do médico. Posso fazer muito pouco, mas tenho certeza de que muitos colegas extremamente capazes avançarão nos estudos e mostrarão o enorme potencial que o médico brasileiro tem para o desenvolvimento da vida filosófica e para os estudos humanísticos de qualidade.

A Tradição da Medicina é, ao contrário do livro A Morte da Medicina, uma obra focalizada no que há de bom para ser falado da profissão médica. E há muito a ser falado, acreditem.

Obras previstas para os próximos meses:

- Disbioética I: Reflexões sobre os estranhos rumos da ética;

- Disbioética II: Novas Reflexões sobre os estranhos rumos da ética;

- Disbioética III: O Extermínio do Amanhã;

- Ars Medica: Hipócrates e a Fundação Moral da Medicina Ocidental;

- Código de Ética Médica: Raízes Culturais, Problemas Perenes e Reflexões Contemporâneas.

Artigos em produção:

- O Autoritarismo Hipocrático?;

- Análise Discursiva e Moral do Juramento de Hipócrates.

Projetos em andamento:

- Humanização hospitalar: a impressão dos pacientes;

- Tradução de livros e artigos.

Hélio Angotti-Neto.

Professor de Medicina e Coordenador do Curso de Medicina do Centro Universitário do Espírito Santo. Médico formado pela UFES com residência em Oftalmologia e Doutorado em Ciências pela USP. Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC, Diretor da Mirabilia Medicinae, revista especializada em Humanidades Médicas e criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina.



[1] ANGOTTI NETO, Hélio. A Morte da MedicinaCampinas, SP: Vide Editorial, 2014.
[2] OSLER, William; NIKI, Hisae; HINOHARA, Shigeaki (Editor). Osler's A Way of Life and Other Addresses, with Commentary and Annotations. Durham, NC: Duke University Press, 2001.
[3] UNIVERSIDADE DE YALE. A Educação Superior e o Resgate Intelectual: O Relatório de Yale de 1828. Campinas, SP: Vide Editorial, 2016.
[4] LÓPEZ-QUINTÁS, Alfonso. O Conhecimento dos Valores. São Paulo: É Realizações, 2016.
[5] CARVALHO, Olavo de. Aristóteles em Nova Perspectiva. Introdução à Teoria dos Quatro Discursos. Campinas, SP: Vide Editorial, 2014.

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