Filipe Martins - Ciclo histórico à brasileira:

Vocês já viram aquele meme que resume as teorias cíclicas da história? Há algumas variações, assim como há variações entres as várias teorias cíclicas, mas a ideia básica é a que aparece na imagem que acompanha este texto: tempos difíceis criam homens fortes; homens fortes criam tempos prósperos e agradáveis; tempos prósperos e agradáveis criam homens fracos; e os homens fracos, por sua vez, criam tempos difíceis; de modo que o ciclo se repete indefinidamente.

Talvez seja possível pensar numa versão brasileira deste meme e formar uma analogia imperfeita, mas capaz de nos auxiliar em nossa compreensão da dinâmica da disputa de poder que se desenrola por aqui desde o golpe que depôs Dom Pedro II em 1889. Seria mais ou menos assim:

No Brasil, crises colocam os oligarcas à frente e no topo do governo; os oligarcas reorganizam o poder; e a reorganização do poder cria uma aparência de normalidade, abrindo, assim, o caminho para que grupos revolucionários avancem e conquistem o controle governamental; a chegada de um grupo revolucionário ao governo, por sua vez, agrega uma nova facção à oligarquia dominante e, inevitavelmente, leva a uma nova crise... fazendo com que este ciclo se repita indefinidamente.

Ao que tudo indica, isso continuará se repetindo até que, em algum momento, algum grupo revolucionário se revele capaz de se consolidar e de substituir plenamente os oligarcas. O PT chegou muito próximo disso -- foi, na verdade, o que mais perto chegou e é, de algum modo, o que mais próximo disso está ainda hoje.

Vejam se não faz sentido. Embora os oligarcas ainda possuam instintos próprios, é notório que eles não possuem uma mente — isto é, eles vivem como animais, guiados pela lógica da sobrevivência e da manutenção de seus territórios, mas não possuem qualquer idéia elevada que possa levá-los a transcender a mera busca pela sobrevivência. Na falta desse centro intelectivo, os oligarcas serão sempre orientados por idéias fragmentadas que eles colhem do repositório nacional, uma espécie de acumulado histórico de possibilidades político-administrativas.

Com base nesse quadro, podemos concluir que, ao fazer opção pela revolução cultural e pela guerra de posições, a esquerda petista tinha dois objetivos. O primeiro era o de se tornar a mente faltante do poder oligárquico, por meio da destruição e da substituição do "repertório nacional", tornadas possíveis pela estratégia gramsciana. O segundo era de substituir corporalmente os oligarcas, expulsando-os e tomando seus lugares por meio da ocupação de espaço e da campanha pela "ética na política".

Na primeira empreitada, a esquerda petista foi muito bem-sucedida, destruindo a Alta Cultura, esvaziando os símbolos nacionais e substituindo-os por um repertório de pseudo-símbolos e pseudo-idéias, que servem aos interesses sórdidos e criminosos do partido que a lidera e a conduz. Já na segunda empreitada, o sucesso foi menor, justamente porque a ocupação de espaços se deu por meio da assimilação das facções da oligarquia dominante que pudessem ser úteis ao partido e à estratégia esquerdista no continente (realizada sobretudo por meio do Foro de São Paulo).

Assim chegamos à situação de hoje: embora ainda preserve alguns de seus instintos animais, a oligarquia dominante não tem outra cabeça (outro espírito) senão o esquerdismo; de modo que, se é verdade que corporalmente os petistas não dominaram todos os espaços, o mesmo não pode ser dito sobre o domínio mental e espiritual das elites oligárquicas do país. Pensem nestes dois exemplos.

Corporalmente, o PMDB ainda é pautado pelos seus instintos de sobrevivência, o que se manifesta na interproteção corporativista entre os membros do partido e na tentativa de avançar mudanças econômico-administrativas que possam lhes dar alguma sobrevida; espiritualmente, entretanto, o partido não consegue pensar em nenhuma possibilidade que não tenha sido posta em circulação pelo petismo: mantiveram o Ministério da Cultura, estão utilizando o Ministério da Educação para avançar a base curricular comum (uma espécie de common core) e assim por diante. Do mesmo modo, a Globo e outros veículos de mídia mantêm, corporalmente, os seus instintos mais básicos: buscam o lucro, querem se preservar da concorrência, etc; espiritualmente, contudo, não é nem necessário dizer o que eles promovem: ideologia de gênero, cultura da morte, desconstrução da família, so on and so forth.

Isso significa que o espírito brasileiro está possuído por um demônio e que nada além de um exorcismo poderá quebrar este ciclo amaldiçoado e mitigar os problemas nacionais. Temos de entender, contudo, que sem combater e aplacar a carne não é possível expurgar um demônio e que não há, portanto, nenhum meio de derrotar o petismo a não ser derrubando toda a oligarquia dominante -- a não ser que surja uma elite cultural e espiritualmente forte, com capacidade efetiva de construir tempos prósperos e agradáveis, ativando um ciclo histórico mais convencional e mais próximo do que encontramos no mundo civilizado.

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