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Rafael Rosset |
Como consequência, a taxa de homicídios cresceu 124% entre 1980 e 2010.
Como o eleitor não é imbecil e a sensação de insegurança é real, essa hegemonia foi derrotada em 2018, em prol de um discurso que privilegia o endurecimento no combate ao crime. Esse novo discurso sequer ainda foi posto em prática, mas já está sendo responsabilizado pelos fracassos evidentes da política anterior. Teve deputado que renunciou ao mandato e se exilou na Europa de primeiro mundo reclamando da falta de segurança, como se a maior ameaça à incolumidade física de 210 milhões de brasileiros fosse o "discurso de ódio".
Quem se opõe à mudança discursiva são sociólogos, antropólogos e gente, dentro do Direito, que de alguma forma acha que vai ficar sem trabalho caso o Estado esteja mais aparelhado pra combater o ilícito, seja na forma de crimes violentos seja nos crimes de colarinho branco.
Gente que continua insistindo, contra todas as evidências empíricas, que crimes, mesmo os não patrimoniais, são um problema social e não individual, curável pela melhor distribuição de renda (o índice de Gini caiu 63% entre 2004 e 2014, mas o percentual de homicídios chegou a aumentar 430% em algumas capitais do Nordeste, justamente a região que viu as maiores reduções na desigualdade no período). Que a solução para a criminalidade é a educação, como se diplomas de Humanas produzissem beatos. Gente que milita pelo desencarceramento denunciando a superlotação nos presídios, e que quer vincular a atividade persecutória do Estado ao número de vagas no sistema prisional, ao mesmo tempo em que luta contra a construção de novas penitenciárias. Gente que diz que precisamos investir mais em "inteligência" policial, mas milita pelo desmilitarização das forças de segurança pública, como se policiais pudessem enfrentar traficantes armados de fuzis apenas distribuindo os livros de História do MEC.
Na CBN, o cientista político Carlos Melo, parte da classe falante que compôs o discurso hegemônico que colocou o Brasil na posição deplorável em se encontra atualmente, acusou o eleitor de 2018 de "desleixado", de buscar soluções emocionais e de ser inconsequente em suas escolhas por votar "contra" e não "a favor". Ele apenas vocalizou o gigantesco e indisfarçável inconformismo pela derrota, não de um partido, mas de uma narrativa mundo-melhorista, que privilegiava o dever ser em detrimento do que é, e que estava (e ainda está) disposta a imolar as vidas de milhões de inocentes em troca de um projeto falido de reengenharia social.
Essa gente é como o rei da fábula: por 30 anos tentaram convencer a multidão de que estavam envergando vestes nobres, mas a cada dia que passa fica claro que sempre estiveram nus.
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