Eduardo Levy |
Lembro dos tormentos inimagináveis que acometiam as figuras da mitologia grega, muitas vezes sem a mais mínima culpa por parte delas. Lembro de Hamlet listando os sofrimentos pelos quais todo ser humano, até um príncipe como ele, passa: As agonias do amor não correspondido, a morosidade da justiça, a insolência dos superiores, o escárnio que os sem valor dedicam ao mérito paciente e os milhares de choques naturais de que a carne é herdeira. Lembro o destino que Sócrates teve pelo crime de saber o que os outros não sabiam. E lembro, é claro, que até o Filho de Deus, no auge de sua agonia, sozinho, desamparado, lançou aos céus em desespero uma pergunta sem resposta. Neste ponto, paro de frescura, levanto-me e vou trabalhar.
A cultura nos mostra, por um lado, que os nossos sofrimentos, que julgamos tão penosos e tão únicos, não são nossos, mas da humanidade inteira. Não nos acometem porque há algo de errado conosco, mas porque somos humanos. De outro, que mesmo esses sofrimentos que tanto nos doem, perto daqueles que já acometerem outras pessoas, são pequeninos, quase bobos. Assim, podemos encará-los como encaramos uma dor de barriga ou uma gripe: Fatalidades da nossa condição que não estão sob nosso controle e que nos cumpre tolerar com paciência e serenidade. A cultura nos tira do nosso isolamento e nos revela que o tormento que julgávamos ser só nosso é de todos.
Se no nosso tempo, que oferece menos causas externas para o sofrimento do que qualquer outro, as pessoas parecem sofrer mais que em todos os outros, creio que a abismal falta de cultura que o caracteriza, a ausência completa de modelos circulantes da normalidade humana, sem dúvida é um fator de peso nisso. Qualquer sofrimento diminuto dói dez vezes mais quando estamos convencidos de que as outras pessoas estão rindo enquanto só nós, por um defeito nosso, choramos.
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