Renato Rabelo, sobre Piroterrorismo:

Incêndio em floresta tropical
Com todos os olhos da mídia voltados para o incêndio no norte do Brasil desta última semana, o nome “piroterrorismo” me veio à mente, já que muita gente parece preocupada em encontrar culpados para o caso, sugerindo que este incêndio em especial não aconteceu por causas naturais. Esta é uma breve apresentação deste tema, já que o nome “piroterrorismo” não existe em nenhuma matéria publicada em língua portuguesa até agora, que vai adicionar às discussões mais uma nova modalidade de suspeito para a onda de queimadas que varre ônibus, pneus, casas, bandeiras, museus e agora florestas em nosso país. 

O piroterrorismo pode parecer um conceito novo para nós agora mas este é um assunto que tem ganhado uma crescente atenção de estudos científicos e militares no exterior desde o início do milênio. O uso de incêndios florestais para prejudicar uma nação pode ganhar proporções semelhantes aos de uma arma de destruição em massa, sendo motivado, principalmente, por propósitos políticos abrangentes. 

O estudo de 2005 do major Robert Arthur Baird, da Escola de Combate Avançado da Marinha Americana, chamado “Piroterrorismo – A Ameaça de Incêndios Florestais Induzidos Como Arma de Destruição em Massa Terrorista do Futuro” (Pyro-Terrorism—The Threat of Arson Induced Forest Fires as a Future Terrorist Weapon of Mass Destruction)(1), é um marco sobre o tema. Ele constata que a energia latente armazenada nas florestas de um país é um atrativo para grupos que pretendem causar um grande estrago, com a vantagem adicional de não oferecer muitos riscos e custos para o terrorista. 

Ao invés de usar armas complexas, caras, detectáveis e perigosas para o fabricante, como armas químicas e nucleares, a Al-Qaeda e outras organizações terroristas estão há algum tempo recorrendo a métodos indígenas para atacar os seus alvos. Dick Mangan, ex-presidente da Associação Internacional de Incêndios Florestais, escreveu também em 2005 que índios americanos usavam incêndios para destruir tribos rivais e para lutar contra os europeus(2), mostrando que o fogo é uma arma que sempre foi usada na guerra irregular, e que ele só esteve fora do radar por algum tempo mas está voltando com força total no século XXI.   

A tática dos incêndios é atrativa, em parte, por poder ser facilmente disfarçada de acidente, no caso de eventual descoberta dos responsáveis. A própria descoberta dos responsáveis também é dificultada por esta tática, já que tais incêndios normalmente só são detectados quando eles atingem maiores proporções, especialmente quando eles são iniciados durante a noite(3).

O estudo do major Baird, no entanto, vai mais além. Ele é bem objetivo em mostrar a diferença entre o incêndio criminoso e o piroterrorismo, ressaltando como este último consegue ser mais grave do que o primeiro. Enquanto o incêndio criminoso normalmente tem um alvo individual, sendo motivado por vingança ou para obter vantagem sobre um concorrente econômico; o piroterrorismo “usa ataques incendiários para aterrorizar a população civil e coagir o governo a avançar pautas políticas ou sociais” (BAIRD, 2005, p.4). O autor deste crime, portanto, sofre penas mais duras do que o do primeiro, já que, independentemente da dimensão do incêndio material que causou, o prejuízo imaterial na saúde mental dos civis e nas políticas de uma nação sempre atinge a população inteira.  Um tipo enquadra como incêndio, o outro enquadra como terrorismo. 

No caso americano, o prejuízo causado pelo piroterrorismo é ainda mais crítico, já que a maior parte das suas casas é feita de madeira. A revista “Inspire”, da Al-Qaeda, certa vez disse que “a maior parte das casas [na América] está na zona rural” e que “é difícil achar um lugar melhor [para os incêndios] do que os vales de Montana”(4); tendo o FBI descoberto já em 2004 que os estados de Utah, Wyoming e Colorado também eram vulneráveis ao piroterrorismo e foram alvos levados em consideração pelos terroristas(5)

Em um passado não tão distante, os EUA já foram alvo deste tipo de tática. Cerca de 9000 (nove mil) balões incendiários dos japoneses (“balões bomba”) foram lançados durante a Segunda Guerra Mundial contra a sua costa oeste, o que lhes levou a observar incêndios florestais como uma séria ameaça e a tentar formular respostas adequadas a este tipo de incidente com a prioridade de uma importante questão de segurança nacional.

Esquema da bomba incendiária. Legendas em inglês.

“A devastação das chamas pode sobrecarregar os meios de supressão [de incêndios], enfraquecer economias regionais, destruir infraestruturas essenciais, ocupar forças militares de prontidão e pressionar os líderes nacionais por mudanças políticas” (BAIRD, 2005). Além disto, o piroterrorismo pode causar mortes humanas e prejuízos ilimitados à biodiversidade. 
Cartaz: “Nosso descuido é a arma secreta do inimigo. Previna incêndios florestais.”


A resposta clássica para este tipo de ataque é a criação de campanhas para a prevenção de incêndios acidentais e para a participação da população na detecção prévia de focos de incêndio. Cartazes do “Urso Esfumado” (Smokey, The Bear) foram criados nos EUA especialmente para transmitir este tipo de mensagem para a população. 

Cartaz mostrando um “ABC” de orientações sobre a prevenção de incêndios na floresta.
Hoje existem mais meios para minimizar os problemas causados por incêndios florestais. O monitoramento de zonas de risco (altas temperaturas, ventos fortes e baixa umidade), infraestrutura preventiva, alarmes, caminhos pré-definidos para evacuação de emergência, sistemas antiincêndio domésticos, melhor proteção para o transporte e armazenamento de materiais inflamáveis, entre outros, podem ser utilizados pelo governo e pela população para suprimir este tipo de crime. Mas estas são apenas medidas de controle de danos. A real prevenção do piroterrorismo reside na eliminação de grupos terroristas que aplicam esta tática e das ideologias (ou filosofias) que produzem estes grupos terroristas(6)

No século XXI, alguns casos de piroterrorismo podem servir de exemplo para ilustrar do que estamos falando. Em 2003, a aldeia de Roquebrune-sur-Argens, na França, foi atingida por piroterroristas, matando 4 pessoas e destruindo 50 casas(7). Ainda em 2003, a “Frente de Libertação da Terra” e a “Frente de Libertação Animal” começaram a usar com frequência o piroterrorismo contra diversos prédios nos Estados Unidos, o que foi assunto de uma audiência do senado americano em 2005(8). Em abril de 2004, Israel alegou que estava sofrendo uma “intifada incendiária”(9), de tantos ataques deste tipo se espalhavam pelo país. Em 2007, o piroterrorismo derrubou o mercado de ações da Grécia(10). Ainda em 2007, o famoso caso dos incêndios florestais de outubro na Califórnia, nos EUA, foi uma série de mais de 20 incêndios florestais que matou 6 pessoas e danificou quase 100 000 (cem mil) casas, deixando um mistério de investigações não-concluídas pelo caminho e um prejuízo bilionário para aquele país. Inúmeros outros casos de piroterrorismo são relatados ao redor do mundo até hoje em países livres.  Este parágrafo, lembre-se, são pequenas amostras citadas em nome da didática deste “novo” assunto (novo pelo menos para nós, brasileiros). 

Muito embora seja tentador continuar falando sobre o assunto e sobre cada detalhe que ele toca, é melhor parar por aqui. Este pequeno artigo é apenas uma mera apresentação, para “dar o ar da graça”, com bastante atraso, de uma tática que há algum tempo assola países livres e que pode estar atingindo o Brasil nesta semana.
  
Vamos esperar para os próximos capítulos do caso para tentar descobrir se somos alvo de piroterroristas ou se a causa para os súbitos incêndios na floresta amazônica vem de outras fontes. Que todas as medidas necessárias sejam tomadas para nos livrar de tal vulnerabilidade. 

Até a próxima!

FONTES:
[1] – “Piroterrorismo – A Ameaça de Incêndios Florestais Induzidos Como Arma de Destruição em Massa Terrorista do Futuro” (Pyro-Terrorism—The Threat of Arson Induced Forest Fires as a Future Terrorist Weapon of Mass Destruction). “Estudos Sobre Conflito e Terrorismo” (Studies in Conflict & Terrorism), volume 29, sessão 5, julho-agosto de 2006, páginas 415-428. Disponível na livraria digital da Agência de Segurança Nacional dos EUA (Homeland Security): https://www.hsdl.org/?view&did=10020.
[2] Citação sobre fogo usado como arma por indígenas americanos. Informação pode ser obtida em: https://wildfiretoday.com/tag/pyroterrorism/.
[3] – Tese: “Fogo Como Arma” (Fire as a Weapon: High-Rise Structures), Adrian Bernard Sheppard, dezembro de 2017, Escola de Pós-graduação Naval da Califórnia. Distribuído pela livraria digital da Agência de Segurança Nacional dos EUA (Homeland Security). Disponível em: https://www.hsdl.org/?view&did=810683.
[4] A Al-Qaeda recomenda que táticas piroterroristas sejam usadas nas florestas de Montana. Disponível em: https://abcnews.go.com/Blotter/al-qaeda-calls-massive-forest-fires-montana/story?id=16263981#.T6H57KsV0nZ.
[5] Relatórios de inteligência do FBI relataram em 2004 que vários estados nos EUA seriam alvos de piroterrorismo. Disponível em: https://wildfiretoday.com/2013/02/21/usfs-deputy-director-of-fire-and-aviation-talks-about-pyroterrorism/.
[6] Livro – “O Campo de Batalha: Como Vencer a Guerra Mundial Contra o Islã Radical e os Seus Aliados” (The Field of Fight: How We Can Win the Global War Against Radical Islam and Its Allies), Tenente General Michael Flynn e Michael Ledeen, Editora St. Martin's Griffin, 2017.
[7] Piroterrorismo na França, em 2003. Disponível em: https://www.nytimes.com/2003/07/30/world/fires-kill-at-least-4-and-ravage-forests-on-french-riviera.html.
[8] Audiência do senado americano sobre dois grupos ecologistas que usam táticas piroterroristas nos EUA. Disponível em: https://www.govinfo.gov/content/pkg/CHRG-109shrg32209/html/CHRG-109shrg32209.htm. 
[9] A antifada incendiária em Israel, 2004. Disponível em: https://www.haaretz.com/1.4782903.
[10] O piroterrorismo contra o mercado de ações grego. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/JMLC-04-2017-0014/full/html.

Áudio do texto acima

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BIO

Renato Rabelo, 27, é pesquisador independente de inteligência militar, tradutor e aluno do Curso Online de Filosofia de Olavo de Carvalho. 
Facebook: https://www.facebook.com/IniciativaRenatoRabelo
Youtube: https://www.youtube.com/channel/UC-sd18lTl6sstIyVvprgyYg

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