Eleições 2020, análise geral, perspectiva:

Sobre as eleições municipais que se avizinham, fiz uma análise mais geral e me pergunto: qual a perspectiva que temos de mudar esse quadro?

Segue a análise:

Perdeu-se o sentido da representação. O voto, via de regra, vai para um despachante geral, alguém que dá ao eleitor uma ajudinha aqui, outra ajudinha lá, isso para não falarmos na compra direta de votos ou de apoiadores, os chamados cabos eleitorais. Sobretudo no interior, vereadores viraram caçadores de renda, atrás de salários muito acima do que são pagos a qualquer pessoa empregada na iniciativa privada no município. Não é raro ver em municípios pequenos e pobres, das regiões mais pobres do país, vereadores ganhando salários de R$ 8 mil mensais ou mais, fora o gasto com assessores, verba de gabinete e funcionários da Câmara Municipal. Municípios que alegam não poder bancar o salário de um médico, um único médico, mas gastam o equivalente ao salário de dez ou mais médicos com sua câmara municipal.

Muitos vereadores são tão caçadores de renda quanto seus eleitores são caçadores de um favor, um tapa-boca; se possível, glória máxima, um emprego na prefeitura, de preferência para não fazer nada, o que não é raro, pois em prefeituras que gastam tudo com folha de pagamento, não sobra dinheiro para nada mesmo.

Não poucos vereadores gastam tudo que ganham de salário com seus eleitores, durante o mandato, pagando o favor de ter recebido votos. Esses são os piores, pois precisarão de um favor do prefeito ou do presidente da Câmara para arrumar um dinheiro por fora para cuidar da própria sobrevivência. E aí é que não se fiscalizará nada mesmo. Aliás, são raríssimos os casos de câmaras municipais que cumprem o que seria a mais nobre e importante missão delas: fiscalizar o bom uso do dinheiro público no município. Prefeitos são presos eventualmente e processados muitas vezes pelo ministério público (estadual e federal), uma caríssima estrutura de poder que ainda tem de dar conta de desvios os mais escandalosos em câmaras de vereadores. Assim, se os legislativos municipais custam estimados mais de R$ 12 bilhões anuais aos brasileiros, lá se vai outro tanto para fazer a função que esses legislativos deveriam exercer e não exercem. Caras e burocráticas estruturas dos tribunais de conta existem também para fazer o que a esmagadora maioria dos vereadores não faz: controlar o imenso fluxo de dinheiro que circula pelas prefeituras. No mais das vezes, vereadores servem para coibir a ação dos tribunais de conta. Quando os tribunais rejeitam as contas do prefeito, forma-se via de regra uma maioria qualificada de vereadores para rejeitar o parecer do tribunal de contas, isentando o prefeito de punições pelo desvio de dinheiro público. Via de regra também, para dar o voto favorável ao prefeito nessas ocasiões, o vereador tem mais uma chance de caçar renda para si mesmo, pois, todo mundo sabe, se o voto do eleitor não é de graça, o voto do vereador eleito por ele no plenário pode ser ainda mais caro.

A caça de renda, tradução do internacionalmente conhecido e estudado fenômeno do rent-seeking, aliada à corrupção, também ela uma forma de caça de renda, contribui diretamente para o emprego ineficaz de recursos. Não é por outro motivo que a infraestrutura pública e os serviços de saúde se apresentam lastimáveis na imensa maioria de nossos municípios. A má alocação de recursos e o desvio de pessoas que poderiam ser produtivas para atividades improdutivas são fatores diretamente negativos para a produtividade geral dos fatores, por sua vez fator absolutamente determinante para a prosperidade econômica de um país e para estabelecer o nível de salários de mercado.

O quadro que se apresenta para as eleições municipais de 2020 é dramático. Nossos municípios, irrigados com uma quantidade inédita em volume de transferências de recursos federais e estaduais, pois ao Fundo de Participação dos Municípios e ao retorno de ICMS, entre outros, somaram-se neste ano os recursos emergenciais da pandemia, não são capazes de prestar bons serviços a seus cidadãos. Prefeituras e câmaras são cabides de emprego, fins em si mesmo, instrumentos de concentração local de renda e privilégios, exemplos de desincentivo ao trabalho e à eficiência.

Com nosso sistema eleitoral e partidário não há a menor perspectiva de mudar esse quadro. Se o voto para vereador fosse distrital, pelo menos haveria o sentido da representação, do bairro, do povoado, de uma região do município. Não é assim, o voto é, do ponto de vista do eleitor, aleatório, contando para uma complexa fórmula que envolve candidatos e partidos, de tal modo que não serão eleitos necessariamente os mais votados. Se os partidos representassem algo mais do que máquinas de caçar renda dos fundos partidário e eleitoral, tal sistema ainda poderia ter alguma serventia para a representação, pelo menos a representação de ideias. Não é assim. Será procurar agulha no palheiro buscar algum diretório municipal de partido político no Brasil com algum sentido de representação do voto popular. Mais fácil será encontrar siglas alocadas a grupos familiares ou que se formam a partir da reunião de caçadores de renda antes avulsos.

Se o pensamento de esquerda fosse sério no Brasil, teria de reconhecer que Karl Marx não teria a menor dúvida de chamar boa parte dessa gente de lúmpens, indivíduos que oneram a sociedade em troca de nada. Se queremos um bom sinônimo brasileiro, creio que todos conhecem o chupim, pois não? Então, chupins e lúmpens são a mesma coisa, da mesma parasita natureza.

Não se espere que mudanças venham de cima para esse triste quadro. Convenha: o sistema que elege deputados estaduais e federais não é muito diferente. E a cultura dominante no eleitor brasileiro também não aproveita bem o modelo “distritão” da eleição para o Senado. O que se vê é o contrário vindo de cima: soluções criativas para flexibilizar a lei de responsabilidade fiscal, pensada e promulgada lá atrás para conter o descalabro, ou para anistiar prefeitos que a descumpriram.

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