Sobre sebos e a incultura


Uma das coisas que mais mexe comigo nos sebos, além dos preços semelhantes aos das bookstores, é a chegada de livros oriundos de uma biblioteca pessoal de um recém falecido. É claro que fico entusiasmado com a oportunidade de adquirir raridades ou aquele exemplar tão almejado, mas não posso negar o desconforto em ver a facilidade com que certos descendentes e cônjuges se desfazem do patrimônio literário do ausente.

Já tive contato com muita gente que disputou na tapa a herança livresca de um ente que teve seus dias expirados neste mundo de lágrimas. Descontando os com interesses pecuniários, ainda sobrava muita gente interessada em manter ou até mesmo em dar continuidade na biblioteca. Mas essa "muita gente", dentro do universo das famílias herdeiras de bibliotecas pessoais, é ínfima. Falo de um povo bem instruído cheios de canudos superiores carimbados pelo MEC.

A história mais incrível que presenciei foi a de um sexagenário, que por pura pressão da nova mulher nova, foi coagido a se livrar de sua biblioteca. Nesse caso, o morto não estava nem morto. Lembro de passear os olhos nos volumes e juro que conseguia enxergar todo o trajeto de pesquisa e estudo, vi de relance as anotações feitas em cadernos ou em post it, tudo para não danificar as páginas. Na época, tentei várias vezes comprar uma parte daquele material, mas, apesar do preço vantajoso, faltava-me grana. 

Nas andanças e conversas que tivemos, via o orgulho do proprietário estampado no olhar pelo "filho" que criou... Mas um olhar que se misturava de forma antagônica com as linhas de angústia estampadas na face por ter que forçosamente se livrar do rebento. 

E jamais vou esquecer dos grunhidos sarcásticos da sua patroa, ao fundo: "Para que tanto livro se não vai ter tempo de vida para ler?".

Flávio Lindolfo Sobral

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