Vitamina do dia:

Os dias são semelhantes diante de um calendário cheio deles, porém a cada pessoa, a diferença é tal qual a passagem das vinte e quatro horas em seus três momentos: manhã límpida, tarde benfazeja e noite aconchegante.

(foto do entreculturas.com.br)


…FALAM OS VIZINHOS, AMIGOS, PESSOAS QUE

VIERAM COM PRESENTES, ETC

— De sua formosura
já venho dizer:
é um menino magro,
de muito peso não é,
mas tem o peso de homem,
de obra de ventre de mulher.

— De sua formosura
deixai-me que diga:
é uma criança pálida,
é uma criança franzina,
mas tem a marca de homem,
marca de humana oficina.

— Sua formosura
deixai-me que cante:
é um menino guenzo
como todos os desses mangues,
mas a máquina de homem
já bate nele, incessante.

— Sua formosura
eis aqui descrita:
é uma criança pequena,
enclenque e setemesinha,
mas as mãos que criam coisas
nas suas já se adivinha.

— De sua formosura
deixai-me que diga:
é belo como o coqueiro
que vence a areia marinha.

— De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como o avelós
contra o Agreste de cinza.

— De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como a palmatória
na caatinga sem saliva.

— De sua formosura
deixai-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa.

— é tão belo como a soca
que o canavial multiplica.

— Belo porque é uma porta
abrindo-se em mais saídas.

— Belo como a última onda
que o fim do mar sempre adia.

— é tão belo como as ondas
em sua adição infinita.

— Belo porque tem do novo
a surpresa e a alegria.

— Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.

— Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.

— Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.

— E belo porque o novo
todo o velho contagia.

— Belo porque corrompe
com sangue novo a anemia.

— Infecciona a miséria
com vida nova e sadia.

— Com oásis, o deserto,
com ventos, a calmaria.



O CARPINA FALA COM O RETIRANTE QUE
ESTEVE DE FORA,
SEM TOMAR PARTE DE NADA


— Severino, retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.

E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.

(João Cabral de Melo Neto, Morte e vida Severina)

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