Recomendo a todos a leitura deste artigo escrito por José Alberto Gueiros em 1979 e redescoberto ontem pelo meu amigo Pedro Henrique Medeiros.
O assunto está fartamente documentado em nossa literatura — sobretudo em Lima Barreto — e continua sendo extremamente relevante e atual. Meus colegas de Curso Online de Filosofia, aliás, lembrarão das inúmeras aulas que o Professor Olavo de Carvalho dedicou para preparar seus alunos e para infundir neles a mesma força que ele sempre demonstrou frente o desprezo e o ódio ao conhecimento, que naturalmente são infinitamente maiores no Brasil de hoje do que no Reino Unido do início do Século XX — uma constatação simples e que pode ser comprovada pela raiva que até hoje dedicam ao filósofo que, vinte e dois anos atrás, ousou estrear com uma obra tão grandiosa quanto o "Aristóteles em Nova Perspectiva".
Como diz o próprio Olavo, no Brasil, "na mesma medida em que se depreciam os méritos de quem os tem, exaltam-se até o sétimo céu aqueles de quem não tem nenhum". Afinal, "se as altas qualidades excitam a inveja e o despeito, a mediocridade e a incompetência infundem no observador uma reconfortante sensação de alívio, a secreta alegria de saber que o elogiado não é de maneira alguma melhor que ele"; e assim seguimos premiando a mediocridade e castigando os méritos.
O MEDO CAUSADO PELA INTELIGÊNCIA
(José Alberto Gueiros, Jornal da Bahia, 1979)
Quando Winston Churchill, ainda jovem, acabou de pronunciar seu discurso de estréia na Câmara dos Comuns, foi perguntar a um velho parlamentar, amigo de seu pai, o que tinha achado do seu primeiro desempenho naquela assembléia de vedetes políticas. O velho pôs a mão no ombro de Churchill e disse, em tom paternal: "Meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi muito brilhante neste seu primeiro discurso na Casa. Isso é imperdoável. Devia ter começado um pouco mais na sombra. Devia ter gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstrou hoje, deve ter conquistado, no mínimo, uns trinta inimigos. O talento assusta."
E ali estava uma das melhores lições de abismo que um velho sábio pode dar ao pupilo que se inicia numa carreira difícil. A maior parte das pessoas encasteladas em posições políticas é medíocre e tem um indisfarçável medo da inteligência. Isso na Inglaterra. Imaginem aqui no Brasil. Não é demais lembrar a famosa trova de Ruy Barbosa:
Há tantos burros mandando
Em homens de inteligência
Que às vezes fico pensando
Que a burrice é uma Ciência.
Temos de admitir que, de um modo geral, os medíocres são mais obstinados na conquista de posições. Sabem ocupar os espaços vazios deixados pelos talentosos displicentes que não revelam o apetite do poder. Mas é preciso considerar que esses medíocres ladinos, oportunistas e ambiciosos, têm o hábito de salvaguardar suas posições conquistadas com verdadeiras muralhas de granito por onde talentosos não conseguem passar. Em todas as áreas encontramos dessas fortalezas estabelecidas, as panelinhas do arrivismo, inexpugnáveis às legiões dos lúcidos. Dentro desse raciocínio, que poderia ser uma extensão do 'Elogio da Loucura' de Erasmo de Roterdan, somos forçados a admitir que uma pessoa precisa fingir de burra se quiser vencer na vida.
É pecado fazer sombra a alguém até numa conversa social. Assim como um grupo de senhoras burguesas bem casadas boicota automaticamente a entrada de uma jovem mulher bonita no seu círculo de convivência, por medo de perder seus maridos, também os encastelados medíocres se fecham como ostras à simples aparição de um talentoso jovem que os possa ameaçar. Eles conhecem bem suas limitações, sabem como lhes custa desempenhar tarefas que os mais dotados realizam com uma perna nas costas, enfim, na medida em que admiram a facilidade com que os mais lúcidos resolvem problemas, os medíocres os repudiam para se defender. É um paradoxo angustiante.
Infelizmente temos de viver segundo essas regras absurdas que transformam a inteligência numa espécie de desvantagem perante a vida. Como é sábio o velho conselho de Nelson Rodrigues.
Finge-te de idiota e terás o céu e a terra.
O problema é que os inteligentes gostam de brilhar, que Deus os proteja.
O assunto está fartamente documentado em nossa literatura — sobretudo em Lima Barreto — e continua sendo extremamente relevante e atual. Meus colegas de Curso Online de Filosofia, aliás, lembrarão das inúmeras aulas que o Professor Olavo de Carvalho dedicou para preparar seus alunos e para infundir neles a mesma força que ele sempre demonstrou frente o desprezo e o ódio ao conhecimento, que naturalmente são infinitamente maiores no Brasil de hoje do que no Reino Unido do início do Século XX — uma constatação simples e que pode ser comprovada pela raiva que até hoje dedicam ao filósofo que, vinte e dois anos atrás, ousou estrear com uma obra tão grandiosa quanto o "Aristóteles em Nova Perspectiva".
Como diz o próprio Olavo, no Brasil, "na mesma medida em que se depreciam os méritos de quem os tem, exaltam-se até o sétimo céu aqueles de quem não tem nenhum". Afinal, "se as altas qualidades excitam a inveja e o despeito, a mediocridade e a incompetência infundem no observador uma reconfortante sensação de alívio, a secreta alegria de saber que o elogiado não é de maneira alguma melhor que ele"; e assim seguimos premiando a mediocridade e castigando os méritos.
O MEDO CAUSADO PELA INTELIGÊNCIA
(José Alberto Gueiros, Jornal da Bahia, 1979)
Quando Winston Churchill, ainda jovem, acabou de pronunciar seu discurso de estréia na Câmara dos Comuns, foi perguntar a um velho parlamentar, amigo de seu pai, o que tinha achado do seu primeiro desempenho naquela assembléia de vedetes políticas. O velho pôs a mão no ombro de Churchill e disse, em tom paternal: "Meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi muito brilhante neste seu primeiro discurso na Casa. Isso é imperdoável. Devia ter começado um pouco mais na sombra. Devia ter gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstrou hoje, deve ter conquistado, no mínimo, uns trinta inimigos. O talento assusta."
E ali estava uma das melhores lições de abismo que um velho sábio pode dar ao pupilo que se inicia numa carreira difícil. A maior parte das pessoas encasteladas em posições políticas é medíocre e tem um indisfarçável medo da inteligência. Isso na Inglaterra. Imaginem aqui no Brasil. Não é demais lembrar a famosa trova de Ruy Barbosa:
Há tantos burros mandando
Em homens de inteligência
Que às vezes fico pensando
Que a burrice é uma Ciência.
Temos de admitir que, de um modo geral, os medíocres são mais obstinados na conquista de posições. Sabem ocupar os espaços vazios deixados pelos talentosos displicentes que não revelam o apetite do poder. Mas é preciso considerar que esses medíocres ladinos, oportunistas e ambiciosos, têm o hábito de salvaguardar suas posições conquistadas com verdadeiras muralhas de granito por onde talentosos não conseguem passar. Em todas as áreas encontramos dessas fortalezas estabelecidas, as panelinhas do arrivismo, inexpugnáveis às legiões dos lúcidos. Dentro desse raciocínio, que poderia ser uma extensão do 'Elogio da Loucura' de Erasmo de Roterdan, somos forçados a admitir que uma pessoa precisa fingir de burra se quiser vencer na vida.
É pecado fazer sombra a alguém até numa conversa social. Assim como um grupo de senhoras burguesas bem casadas boicota automaticamente a entrada de uma jovem mulher bonita no seu círculo de convivência, por medo de perder seus maridos, também os encastelados medíocres se fecham como ostras à simples aparição de um talentoso jovem que os possa ameaçar. Eles conhecem bem suas limitações, sabem como lhes custa desempenhar tarefas que os mais dotados realizam com uma perna nas costas, enfim, na medida em que admiram a facilidade com que os mais lúcidos resolvem problemas, os medíocres os repudiam para se defender. É um paradoxo angustiante.
Infelizmente temos de viver segundo essas regras absurdas que transformam a inteligência numa espécie de desvantagem perante a vida. Como é sábio o velho conselho de Nelson Rodrigues.
Finge-te de idiota e terás o céu e a terra.
O problema é que os inteligentes gostam de brilhar, que Deus os proteja.
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