“… compare os debates parlamentares da época [início do século XX] com os de hoje. Caímos de Atenas para a Rocinha. A criação das universidades, a partir do governo Getulio Vargas, piorou formidavelmente em vez de melhorar.”
Entrevistamos o filósofo e professor do “Curso on-line de Filosofia”, Olavo de Carvalho, em janeiro de 2018. Na pauta, comunismo, universidades e a formação de intelectuais. Abaixo segue na íntegra a nossa conversa:
1) Há décadas, antes da grande mídia, o senhor já denunciava a infiltração comunista no Brasil e nas universidades. O que fez, à época, com que o senhor percebesse essa movimentação antes de todos?
É simples. Todos os intelectuais e formadores de opinião, neste país, raciocinam com base no que lêem na grande mídia, que é a superfície dos acontecimentos. Eu fui aos documentos de fonte primária, o que é a obrigação mais elementar da pesquisa historiográfica. Cheguei a publicar as Atas do Foro de São Paulo, onde todos os planos comunistas para o continente estavam declarados da maneira mais ostensiva.
2) Durante muitos anos o senhor foi, também, quase que a única voz dissonante no ambiente comunista. Pode nos contar um pouco sobre o período e a sua atuação?
O que eu dizia soava tão estranho aos ouvidos convencionais que muitos me julgavam um maluco ou teórico da conspiração. Mas os comunistas sabiam que eu estava dizendo a verdade e espumavam de ódio por eu havê-los surpreendido de calças na mão. Acabei sendo banido de toda a grande mídia nacional, o que foi um presente dos céus, porque a partir daí passei a me comunicar diretamente com os meus leitores e alcancei muito mais sucesso do que qualquer colunista do Grobo ou da Fôia.
3) Embora os exemplos históricos de aplicação do comunismo sejam desastrosos, ainda há no Brasil, especialmente nas universidades, pessoas dispostas a defenderem o regime. A que o senhor acha que isso se deve?
Roger Scruton disse do filósofo marxista húngaro Georg Lukacs: “Para ele, nada no presente fazia sentido. Só o futuro era real”. Tal como demonstrei nos meus estudos sobre a mentalidade revolucionária, isso se aplica todos os revolucionários sem exceção. O revolucionário age, no presente, em nome da autoridade moral de um futuro hipotético, por isso a experiência do passado nada lhe ensina, exceto, às vezes, algum truque lógico mais requintado para fugir da responsabilidade pelos seus atos. Por outro lado, o futuro em nome do qual ele fala não pode chegar nunca, porque se chegasse deixaria de ser futuro e bloquearia no ato o processo revolucionário, submetendo os revolucionários ao julgamento dos seus atos passados e estourando o mito da sua autoridade moral. Por isso o futuro em cuja autoridade o revolucionário se baseia tem de ser permanentemente adiado, empurrado com a barriga. A ruptura do revolucionário com a estrutura da realidade é total e definitivo. Ele não pode, portanto, ser persuadido nem mesmo pela sua própria experiência, quanto mais pelos fatos ou argumentos. Só o desmantelamento completo da sua falsa segurança interior pode lhe abrir os olhos.
4) O senhor mesmo foi um dos que abandonou a universidade por não suportar frequentá-la. Há algum futuro possível para um país cujas universidades, polo de pensamento, sejam comunistas?
Nunca abandonei a universidade, pela simples razão de que nunca estive lá. Na juventude, li vários livros de Marilena Chauí, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni e outros ídolos universitários da época, e cheguei à conclusão de que ouvir suas aulas seria perda de tempo. Estudando em casa, aprendi muito mais.
O problema não é propriamente as universidades serem comunistas. O problema é que, sendo-o, necessariamente elas vão ensinar os estudantes a fugir dos problemas substanciais e apegar-se à mitologia daquele futuro melhor que tem de continuar futuro para sempre. E isso estupidifica a todos. As universidades tornam-se fábricas de analfabetos funcionais, quando não de analfabetos “tout court”. Tudo pago a peso de ouro em mensalidades ou impostos.
5) E para os jovens universitários? Em “O Jardim das aflições”, há a ideia de que “a maior força que existe é a personalidade”. De que maneira esse ambiente pode influenciar na sua formação?
A pressão de professores e colegas faz com que o estudante não consiga conceber um modelo ideal de personalidade exceto a perfeita adaptação aos hábitos, gostos, cacoetes mentais e chavões de linguagem do grupo dominante, isto é, das pessoas que lhe parecem as mais aprovadas no ambiente, as mais iluminadas, as mais brilhantes. No fim, tudo não passa de uma macaqueação infame, que estrangula a personalidade já no bercinho.
6) O capitalismo pode ser visto como uma alternativa eficaz ao comunismo? Se não, há alguma outra alternativa?
O comunismo não é senão uma etapa dialética do desenvolvimento do capitalismo. Por isso as megafortunas sempre investiram nele. Os comunistas vêm, demolem toda a economia, aí os capitalistas voltam e compram tudo a preço de banana, exatamente como aconteceu na Rússia, em todo o Leste europeu e seguramente acontecerá em Cuba.
A única alternativa para um governo comunista é antecipar-se aos capitalistas e fazer parceria com eles, como fez a China. Isso salva a economia, mas eterniza a ditadura comunista por meios capitalistas. Para piorar, o modelo chinês – que em tudo e por tudo é igual à economia nazifascista — está sendo copiado no Ocidente : liberdade econômica para os grandes capitalistas e severo controle socialista de todo o restante da população.
7) O senhor costuma dizer que para se haver efetivo poder, antes de dominar uma representação política, é preciso dominar as instâncias culturais da sociedade. Como a universidade se encaixa nessa “tomada de poder”?
Desde os anos 60 do século XX os comunistas já dominavam as universidades, os órgãos de mídia, o “show business” e o mercado editorial. Era inevitável que, mais dia, menos dia, tomassem o poder. Só que, chegando lá, eles têm de tentar a “revolução por cima”, a qual custa dinheiro e nada é possível sem uma roubalheira infernal, exatamente como aconteceu.
8) Em “O Jardim das aflições”, há a ideia de que “a maior força que existe é a personalidade”. Para um universitário, é possível manter – ou formar – uma personalidade que seja diferente do status quo comunista das universidades?
É sempre possível. Mas, se o sujeito é um molenga que não aguenta um olhar de reprovação dos seus colegas – como descrevi no artigo “O Imbecil Juvenil” –, então a personalidade dele já morreu e será difícil ressuscitá-la.
9) Recentemente, o senhor disse em uma rede social que o problema do atraso político do Brasil é que nós nunca tivemos uma elite verdadeiramente intelectual que pudesse fazer frente ao pensamento que vinha de fora. Isso tem a ver com a formação universitária?
Tivemos uma, no Império, mas era pequena e não soube formar sucessores. Leia “O Velho Senado” de Machado de Assis, e compare os debates parlamentares da época com os de hoje. Caímos de Atenas para a Rocinha. A criação das universidades, a partir do governo Getulio Vargas, piorou isso formidavelmente em vez de melhorar.
10) O senhor afirmou recentemente que a educação atual do Brasil, pautada pelo socioconstrutivismo, é o motivo principal para a situação educacional do país nos últimos cinquenta anos. Há alguma relação entre o socioconstrutivismo, o comunismo e nossa formação universitária?
O socioconstrutivismo não apenas não ensina a ler, mas impede de aprendê-lo e às vezes cria danos cerebrais duradouros. A longo prazo, o efeito é esse que vemos hoje: praticamente todos os líderes e “formadores de opinião” são analfabetos funcionais.
Originalmente - https://ouniversitario.saojeronimo.org/roubalheira-infernal/
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