O meu amor tem silêncios e demoras que me permitem estar sozinho aqui dentro, sabendo que alguém me espera lá fora. O meu amor me aconchega, me estreita, para que a dor passe ao largo, se acaso a solidão comigo se deita. Não me dispara o coração, não me tira o chão, não me arrebata o ar: o meu amor tem o dom de me envolver, me comedir e me serenizar.
É amor de juntar os cacos, cerzir os rasgos, seguir de rastros, lamber feridas. Amor de favas contadas, de meias palavras – mais que de beijos, de mãos dadas – de contas conjuntas e causas perdidas. Amor de lua, com sua luz emprestada; sem aplauso ou holofote, amor de bastidor e de coxia. O meu amor quase não ri, e quando sorri me tira o amargor e o cansaço - amor que é de penumbra e de mormaço, que é de sargaço e calmaria.
O meu amor me acalma quando é pesadelo, me põe a alma nua em pelo ao se entregar a mim assim, de mão beijada. Não pede nada, e nada lhe é negado – o meu amor é campo semeado, é grão colhido, pão assado, mesa posta, fome saciada. O meu amor sonha em voz baixa, tem a nuca indócil, a saliva doce, o encaixe no desvão das coxas, o pescoço arisco, o colo quente. Não sabe o que é amor, que é o meu amor, e ainda assim me ama, e me enlaça forte mesmo quando ausente.
(para a Stella e a Zoraya que, sem saber, estimulam certos exercícios desse "eu lírico")
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