STB no Brasil - Tratamento tcheco anti-comunismo:

Fachada do Parlamento da República Tcheca.
Nosso projeto tem se dedicado a publicar na internet os documentos relacionados com as atividades do serviço de inteligência da extinta República Socialista da Tchecoslováquia (1948-1989) que atuou no Brasil e na América Latina. Esses materiais, até o ano de 1990, ou seja, até o final da existência da polícia secreta da StB eram classificados como ultra secretos, logo, inacessíveis ao público. É algo natural que os serviços de inteligência de cada país, independente  de ser democrático ou totalitário, trabalhem em segredo, que suas atividades sejam secretas e que ninguém fora de um círculo muito restrito tenha acesso a esse conhecimento reunido. Mas aí, de repente, eles surgem em uma página da internet. Vários desses documentos que possuem (para ser mais exato: possuíam, mas sobre isso logo esclareceremos…)  a cláusula de ultra secretos ou especial interesse; certamente, o leitor brasileiro poderia pensar: como é possível que essas informações sejam divulgadas? Recebemos também perguntas como essas: com base em que vocês atuam? Os dados apresentados são confiáveis? E inclusive: para que ou para quem isso servirá?
Vamos tentar responder a essas perguntas. É óbvio que uma resposta completa que satisfaça a todos exigiria um texto mais extenso, já que seria necessário primeiramente esclarecer com detalhes: o que foi o comunismo e como trabalhavam os serviços de inteligência de um regime totalitário – só estes dois temas poderiam ser um tema para escrever um livro – mas livros sobre isso já existem e não faz sentido duplicar o trabalho de outros estudiosos já consagrados.
Entrada do Parlamento Tcheco.
Vamos nos concentrar nas três perguntas e tentar esclarecer da maneira mais clara e sucinta  possível as dúvidas relacionadas com o nosso projeto de homenagem à memória histórica.
Para conhecer bem  história, é preciso tentar chegar à maior quantidade possível de materiais de fonte primária, para adquirir, a medida do possível, uma imagem mais completa onde sejam levadas em consideração todas as circunstâncias possíveis.  Quando se pesquisa algum caso, fenômeno ou período histórico, é necessário ver todo um contexto que abrange os acontecimentos descritos. Os documentos reveladores das pastas do serviço de inteligência tchecoslovaco são uma fonte complementar. Sem dúvida, este tipo de documentos é um enriquecimento importante no universo dessas fontes, pois demonstra aspectos de casos, acontecimentos ou histórias pessoais de personagens que até agora estavam ocultos. O arquivo era desconhecido até o momento no Brasil, mas vale a pena conhecê-lo. Não pretendemos reescrever a história do Brasil, não possuímos nem qualificações e nem autoridade para isso.  Este não é o nosso papel. Nós somente  fornecemos uma fonte a mais de informação que, em nossa opinião, é de grande importância e interesse para a história. Esta nossa atividade é totalmente justificável e desejável a qualquer um, pois por si só expande os nossos horizontes sobre as interpretações da nossa história.
Nossos documentos são procedentes do arquivo público da República Tcheca. Para esclarecer por que os arquivos tchecos disponibilizam materiais relacionados com o seu passado comunista temos que fornecer algumas informações básicas.
Detalhe do edifício do Parlamento Tcheco resquício da era do regime comunista.
Em novembro de 1989, a então Tchecoslováquia, que desde o ano de 1948 fazia parte do chamado Bloco da Europa Oriental, passou pela chamada Revolução de Veludo. Houve uma transformação pacífica de regime político – um país que até então era comunista, autoritário, no qual governava indivisivelmente somente um partido político (o Partido Comunista da Tchecoslováquia), tornou-se em pouco tempo um país democrático, livre do controle exterior e totalmente soberano. A polícia secreta da StB, bem como como as outras instituições estatais ligadas com o poder do partido único (como por exemplo a Ministério do Planejamento e a sua Secretaria de Censura que representavam a negação dos valores democráticos e do livre mercado, que foi rejeitado como sendo ineficiente na visão do modelo comunista de economia) foram liquidadas. Foram anulados da Constituição da Tchecoslováquia, antes mesmo que uma nova fosse promulgada, os artigos sobre o papel de liderança do Partido Comunista e sobre a aliança com a União Soviética. Mesmo assim, estes atos legais e formais demonstraram ser insuficientes, pois logo veio a tona que as estruturas comunistas, principalmente aquelas relacionadas com o antigo aparelho comunista e com o aparelho de segurança, representavam ainda uma séria ameaça para o progresso da democracia e para a liberdade cívica. Foi assim que em 1991 o parlamento aprovou uma lei estratégica que daria solução a essa questão – tratava-se da norma apelidada de Lei de Lustração (Zákon č.451/1991 Sb.). A nova norma estabelecia as condições necessárias para o exercício de algumas funções essenciais em órgãos da administração estatal, como nas Forças Armadas e polícias. Estatutariamente, ficava especificado por lei as pessoas que, a partir de então, não poderiam mais ocupar essas funções por questões de segurança.
Antes de tudo, devemos esclarecer uma questão fundamental, que tem a ver justamente com essa particularização exata das condições que constituíam um obstáculo para a realização das liberdades civis. Sobre as objeções à aplicação efetiva do conceito de responsabilização coletiva – pertencer a um determinado grupo especificado pela lei, significava, de fato, uma discriminação. Ainda assim, é necessário acrescentar que tanto o Tribunal Constitucional tcheco, assim como tribunais europeus que analisaram esta séria acusação à Lei de Lustração,  reconheceram que ela é uma arma de relevante interesse público para um país democrático contra determinado grupo de pessoas intensamente ligadas com um regime totalitário, por isso a lei foi declarada válida e as objeções contra ela foram rechaçadas.  Caso quiséssemos simplificar bastante, então poderíamos dizer que a Lei de Lustração pode ser comparada com o modelo verificado na desnazificação da Alemanha, o qual, a propósito, não foi questionado por nenhum argumento razoável de violação aos direitos civis dos ex-membros nazistas da SS ou do NSDAP (forças de repressão do regime nazista).
Uniforme da polícia da época da República Socialista da Tchecoslováquia em exibição no Museu do Comunismo em Praga.
Vejamos então, a quais pessoas exatamente a Lei de Lustração se refere (a lei deveria valer somente por alguns anos, mas o parlamento continua a renovar a sua validade e eficácia, sendo assim, continua vigendo no país), a quem exatamente ela proíbe de ocupar determinadas funções públicas. As pessoas excluídas da possibilidade de cumprir certas funções públicas  (órgãos do governo central e de governos locais, mídia e educação estatais, Forças Armadas e polícia) são as seguintes:
a) ex-funcionários da Segurança Estatal (StB);
b) pessoas registradas pela StB como residentes, agentes, proprietários de imóveis utilizados pela StB, informantes ou colaboradores ideológicos;
d) secretários de órgãos do Partido Comunista, começando pelo nível dos distritos e acima destes, também membros do Comitê deste partido;
e) funcionários de aparelhos dos órgãos mencionados na letra d no departamento de repressão política da polícia;
f) membros da Milícia Popular;
g) membros do Comitê de Ação da Frente Nacional, após o dia 25.2.1948, de comissões de verificação, após 25.2.1948 ou de comissões de verificação e normalização, após o dia 21.8.1968;
h) estudantes e graduados da Academia Edmundovich Felix Dzerzhinsky em Moscou e em outras escolas superiores ou cursos de duração superior a 3 meses na União Soviética…
Como já foi mencionado anteriormente, esta lei foi várias vezes questionada, inclusive através da justiça europeia, sendo que esta também reconheceu que o objetivo primordial da lei não é punir determinados grupos, mas sim proteger o estado democrático de direito.  A presença ou participação das mencionadas pessoas em órgãos de repressão comunista no passado, segundo a interpretação de legisladores e dos tribunais,  é um fator que representa uma ameaça à democracia e à liberdade. Esta interpretação é válida na República Tcheca e também é respeitada pela União Europeia.
Julgamento farsa de Milada Horáková, em 1950, deputada tcheca torturada e condenada à forca por levantar a sua voz contra o regime comunista.
Como o país democrático especificou o rol de funções realizadas por pessoas do antigo regime, que representam uma ameaça para a liberdade e a democracia, também foi necessário dar início a um processo de verificação.  O Ministério do Interior, por decisão da Lei de Lustração, ficou a cargo da tarefa. Todo aquele que pretendia realizar exercer uma função mencionada na norma, teve que apresentar uma Certidão de Lustração, verificada posteriormente pelo Ministério. Com base na decisão do Ministério (positiva ou negativa; sendo que o certificado positivo significa  – a pessoa consta dos registros, ou seja, era membro do Partido Comunista ocupando uma função importante, foi um agente, colaborador ou funcionário da StB, etc) o caso era encerrado em nível administrativo. Logicamente, a República Tcheca é um estado de direito e é possível recorrer desta decisão junto a um tribunal. Aqui vale a pena informar que, geralmente, os membros do Partido Comunista ou os oficiais da StB não costumam judicializar os seus casos, apenas aquelas pessoas que figuram nos registros como “agentes colaboradores”, as quais dependem da comprovação dos atos praticados para saber se realmente colaboraram com o regime. Alguns ganham essas causas, outros a perdem,… assim como acontece em qualquer tribunal.
No que diz respeito aos agentes da StB, o simples fato de serem mencionados nos registros como pessoas que colaboraram, já cria um obstáculo ao exercício de certas funções no país democrático; somente por meio dos tribunais é possível fazer com que o seu caso seja exatamente investigado e que seja eventualmente declarado um enquadramento diferente  do de um agente. Por uma questão de esclarecimento é preciso lembrar que nos registros da StB também encontram-se pessoas que foram chantageadas ou apenas observadas pela StB; logicamente, a lei não se aplica a esses casos. Ou seja, as listas contém os nomes de diferentes pessoas; tanto aquelas que colaboraram com a polícia secreta, como também ao contrário: pessoas que eram contra o regime e que eram vigiadas pela StB. Os legisladores especificam claramente aquelas categorias que significaram uma colaboração consciente com a polícia secreta comunista e que por este motivo são de fato excluídas de participar em estruturas de governo do país democrático.  Uma pequena digressão: caso cidadãos do Brasil que colaboraram com o serviço de inteligência como agentes, contatos secretos ou informantes conscientes  fossem também cidadãos da Tchecoslováquia ou da República Tcheca e, após o ano de 1991, desejassem ocupar no estado de direito um dos cargos mencionados na lei, então por força desta mesma lei, automaticamente, necessitariam apresentar a Certidão de Lustração. Uma certidão positivo, ou seja, o documento do Ministério do Interior declarando que a pessoa tal foi agente da StB, significaria o fim da sua carreira política em nível estatal, na mídia estatal ou na polícia. Isso não diz respeito a atividades a nível privado, nos negócios, na mídia ou ensino privados.
Julgamento farsa de padres católicos no regime comunista totalitário tchecoslovaco. Os semblantes parecem não se abalar diante do evidente resultado da sentença.
A Lei de Lustração de 1991 foi o primeiro elemento relacionado com a correção dos males que o regime comunista causou para pessoas individuais e para toda a sociedade. Outra questão relacionada com o acerto de contas com o passado totalitário foram as leis de reabilitação e de devolução dos bens confiscados pelos comunistas. As reabilitações eram necessárias para corrigir as sentenças injustas dos tribunais comunistas, que muitas vezes puniam os cidadãos somente por causa de suas origens de classe. Nos anos 1948-1989, os tribunais  deram uma enorme quantidade de sentenças injustas (incluindo a de pena de morte) em processos encenados e motivados politicamente. Por isso, após o ano de 1989, foram aprovadas normas legais de reabilitação para que fosse possível declarar esses direitos pela via judicial.  A próxima questão foi a devolução de bens, o que também foi feito através de leis – tudo aquilo que os comunistas confiscaram ilegalmente, foi devolvido. Descrevemos tudo isso para conscientizar o leitor de tudo aquilo que um país democrático teve que fazer, de que a herança que restou após 41 anos de comunismo é terrível e de como não é fácil superar as sequelas.
É possível encontrar a opinião de que estas questões devem ser tratadas principalmente em um nível histórico e moral, mas isso não é o suficiente. Para que um país democrático de direito – nos moldes como a República Tcheca aspira tornar-se –, funcione como deve, tem que cuidar da restauração da justiça e da igualdade perante a lei.  O regime anterior não foi nem justo, nem democrático e era preciso reparar as consequências deste passado triste e trágico.  Era finalmente necessário criar uma situação que permitisse ao máximo a igualdade de chances. Isso significava a necessidade de chamar as coisas pelo nome – não somente pelos eticistas, filósofos, colunistas ou historiadores. Por isso o parlamento tcheco, em 1993, aprovou a “Lei sobre a ilegalidade do regime comunista e da resistência contra ele” (Zákon č.198/1993 Sb.). Mesmo que essa lei tenha natureza meramente declaratória, ela é muito relevante, pois pontifica claramente as definições, inclusive aquelas que usamos no âmbito de nossas pesquisas. De acordo com essa lei, o regime comunista tchecoslovaco (que durou de 25 de fevereiro de 1948 até 17 de novembro 1989) foi declarado “criminoso, ilegal e abominável” e, o Partido Comunista da Tchecoslováquia, uma “organização criminosa e abominável.” Esta lei também foi atacada mas igualmente neste caso o Tribunal Constitucional tcheco negou a proposta de cassá-la da legislação tcheca. Como se trata de uma definição ressonante, vamos repeti-la: de acordo com a lei da democrática República Tcheca, o regime comunista foi criminoso e abominável. Vale a pena citar o artigo 1 da lei, já que ao invés de longos textos históricos, ele nos fornece uma definição curta e concisa de o que foi o comunismo:
…o regime comunista e aqueles que o promoveram ativamente retirou dos cidadãos a possibilidade de uma livre expressão de sua vontade política, coagindo-os a esconder as suas opiniões …e a manifestar publicamente a sua aceitação, até mesmo daquilo que os cidadãos consideravam como crime,… o regime desrespeitou os direitos humanos sistematicamente e de maneira contínua, … desrespeitou os princípios fundamentais de um país democrático de direito, os acordos internacionais assim como as suas próprias leis e, praticamente colocou a vontade e interesses do Partido Comunista acima da lei,  usando de todos os instrumentos de poder para perseguir os cidadãos, a saber: executando penas de morte, assassinatos, confinamento em prisões e campos de trabalho forçado, usando de métodos brutais durante as investigações e prisões, como as torturas físicas e psicológicas …, proibindo aos cidadãos de que exercessem a sua profissão e impedindo o seu acesso à educação, violando seus direitos de propriedade, não permitindo que viajassem ao exterior ou que regressassem ao país…,
Na Primavera de Praga, tchecos saem às ruas e comparam a ocupação soviética à ocupação nazista. Os tanques russos de Leonid Brejnev puseram fim aos protestos causando muitas mortes.
Para alcançar seus objetivos não hesitou em cometer crimes, permitindo que fossem praticados impunemente e garantindo vantagens injustas para os que dos crimes e perseguições participaram e, a partir do ano de 1968, manteve as mesmas métodos mencionados com o apoio de tropas militares de ocupação.  Aqueles que apoiaram este regime como executores, mentores ou incitadores no âmbito político e ideológico são totalmente responsáveis pelos crimes cometidos e pelas demais circunstâncias.”
Eis uma descrição resumida do comunismo na prática. Atentem para o fato de que esta é uma descrição conceitual inserida na legislação tcheca. Não se trata somente de uma avaliação histórica ou moral isolada.
Como parte indispensável para reparar o passado e seus efeitos na República Tcheca é a possibilidade de conhecer o conteúdo dos arquivos da polícia secreta política da StB. Pois já que se trata de uma polícia secreta, como parte do aparelho de poder, também foi classificada pelos legisladores como uma organização criminosa; então, no âmbito do acerto de contas com o passado e como ação preventiva para não repetir estes erros cometidos, era preciso descrever com exatidão, pesquisar e conhecer o trabalho dessas organizações. Como o alcance das atividades da StB atingiu realmente a toda a sociedade (inclusive os jovens e os aposentados – pois até mesmo nestas classes o regime via uma ameaça) é possível afirmar que a polícia secreta tinha toda a sociedade sob seu controle.
Resultado da Ocupação de 1968: 108 vidas perdidas e mais de 500 pessoas gravemente feridas.
Na República Tcheca do período democrático, intensificou-se o postulado de disponibilização dos arquivos da StB, para que qualquer um pudesse por si mesmo verificar quem o delatou, o que interessava à StB, por que alguém não conseguia encontrar trabalho em sua profissão ou por que os filhos de alguém não podiam estudar na universidade – aqui não se trata da falta de competência ou talento, mas justamente da interferência das autoridades por motivação política, que deste modo perseguiam e  atormentavam os cidadãos desobedientes. Primeiramente surgiu então a lei (Zákon č. 140/1996 Sb.) que possibilitava as pessoas prejudicadas e vigiadas pela StB o acesso às suas próprias pastas. O objetivo desta norma, assim como foi escrito no artigo 1º era o de “descobrir o máximo possível sobre as práticas de repressão do regime comunista aos direitos políticos e às liberdades por meio de seus serviços secretos de segurança do estado totalitário.” A lei possibilita “o acesso de pessoas perseguidas aos documentos relacionados com a sua perseguição e à publicação de dados sobre os executores destas perseguições, assim como sobre as suas atividades.”  Até agora, os documentos no arquivo do Ministério do Interior eram pesquisados somente por historiadores, políticos ou investigadores. A lei de 1996 significou uma mudança, onde os cidadãos ganharam a possibilidade de adquirir o conhecimento que anteriormente para eles estava oculto. A lei tinha os seus defeitos, pois limitava o acesso aos documentos da StB somente a pessoas prejudicadas que podiam estudar somente as pastas relacionadas com o seu próprio caso.
Ainda é necessário informar que a pesquisa dos crimes do regime anterior era realizada (e continua a ser) por uma instituição especial, o Escritório para Documentação e Investigação dos Crimes Comunistas (em tcheco Úřad pro dokumentaci a vyšetřování zločinů komunismu – ÚDV), que inicialmente atuou em conjunto com  a Procuradoria-geral e posteriormente, sob os auspícios do Ministério da Justiça, integrar-se à polícia da República Tcheca. Neste caso, esta instituição ocupa-se de pesquisas de crimes concretos do regime comunista. Isso significa, que esta instituição investiga o caso e a seguir, como um órgão de polícia, o direciona para a Procuradoria e esta, por sua vez, para o tribunal para que tenha um julgamento justo.
Estátua de Lenin exposta no Museu do Comunismo em Praga.
A forma de disponibilização do acesso às pastas do arquivo da StB foi promulgada em 1996 e  demonstrou ser insuficiente e pouco eficaz. Por isso, o parlamento tcheco, de acordo com as proposições das leis anteriores, optou por uma solução radical em 2002 através de emendas na lei de 1996 aprovando novas soluções legais em forma sobre os arquivos  (Zákon č. 499/2004 Sb. o archivnictví a spisové službě a o změně některých zákonů) e lei sobre a criação do Instituto de Pesquisas dos Regimes Totalitários (Zákon č.181/2007 Sb. o Ústavu pro studium totalitních režimů a o Archivu bezpečnostních složek). Estas duas normas revolucionaram a questão do acesso aos documentos da StB. A primeira das leis, ou seja, a emenda àquela de 1996, aumentou significativamente a possibilidade de pesquisa nas pastas do arquivo e, as normas seguintes, em princípio, propiciaram uma grande abertura a todos os documentos, com exceção daqueles que, por questões de segurança nacional devem continuar sendo secretos. A lei sobre os arquivos teve um incrível efeito para essa abertura, o que simplificou formalmente o acesso aos documentos, tendo sido o resultado da decisão a criação de um Instituto para a pesquisa de regimes comunistas, e transferir a ele a custódia do acervo dos documentos da StB. Essa competência já não ficava mais a cargo do Ministério do Interior, mas sim de uma nova instituição especialmente criada para isso, para o qual o Ministério do Interior e as outras instituições estatais transferiram todos os materiais especificados na lei. Tais materiais tratam-se principalmente das pastas de arquivo da StB. Sendo assim, é possível afirmar que, a partir de 2007, o acesso a estes documentos, que um dia foram secretos, tornou-se simples, fácil e amplamente divulgado. Enquanto as soluções anteriores forneciam a possibilidade de que os arquivos somente fossem acessados por cidadãos da República Tcheca e exclusivamente por pessoas que foram vítimas do regime, atualmente a solução é aberta para qualquer um e dá a possibilidade de que praticamente tudo seja pesquisado – qualquer pasta, seja de uma investigação, seja de um agente ou seja a pasta pessoal de um funcionário da StB. Deixemos claro que segundo a lei anterior de 1996, alguns dados pessoais nos materiais disponíveis foram deixados no anonimato, ou seja, alguns nomes ou dados sensíveis foram suprimidos, o que atualmente  – de acordo com as regras vigentes da lei sobre arquivos de 2004 não é mais aplicado (fora algumas poucas exceções). Importante dizer que isso corre o risco de mudar, pois atualmente o Tribunal Constitucional está examinando um pedido, segundo o qual o acesso a dados pessoais existentes nos materiais criados pela  StB será possível somente com a permissão da pessoa interessada – ou seja, da dita pessoa ou de seus familiares próximos. Tal solução significaria de fato o bloqueio do acesso a estes materiais, já que conseguir uma permissão como essa poderia levar muito tempo, custar muito trabalho e causaria uma desaceleração radical dos procedimentos relacionados com a preparação e disponibilização das pastas do arquivo. Quanto a decisão do tribunal, assim que for definida, nós escreveremos aqui a respeito.
Como podemos ver, as respostas às perguntas mencionadas no início deste artigo não são tão simples, como poderia se esperar. Esta  questão também tem a sua origem histórica, ocorreu um certo processo legislativo que a seguir foi sancionado (sua compatibilidade com os princípios do país de direito foi confirmado) pelas maiores instituições de tribunais da República Tcheca e da União Europeia. As conclusões das informações acima são simples – tudo se baseia nas leis vigentes na República Tcheca, com apoio nas normas gerais internacionais, pois também os tribunais europeus ao decidirem cada caso aceitaram as leis tchecas sobre acerto de contas com o passado comunista, assim como a maneira que isso funciona na República Tcheca. Sendo assim, todos os documentos disponibilizados podem ser lidos, pesquisados, divulgados sem limites e de acordo com a lei e, o estado tem simplesmente a obrigação não somente de facilitar a pesquisa do passado, como também garantir a revelação total das práticas criminosas do regime comunista. Isso serve para conhecer o passado, para que seja possível dele tirar as conclusões corretas e, para que isso (totalitarismo comunista) não se repita mais.
A única dificuldade (por enquanto, antes da decisão do Tribunal constitucional) é que o pesquisador deve ir até o arquivo em Praga. O Instituto de Pesquisas de Regimes Totalitários, é verdade, disponibiliza muitos documentos online, mas a grande maioria dos materiais é disponibilizada somente em meio físico em Praga ou na filial do arquivo em Brno. É assim por causa da enorme quantidade de materiais nos arquivos, que ainda estão sendo digitalizados, e também por causa de uma certa filosofia do Instituto – que pode ser descrita da seguinte maneira: já que o estado garante um acesso ilimitado aos documentos, então que o pesquisador demonstre um pouco de determinação e sacrifique seu tempo e recursos para poder chegar a este conhecimento que até o ano de 1989 era unicamente sigiloso.
Vladimír Petrilák
PS.
No texto não informei sobre as condições políticas que acompanham todos estes passos jurídicos.  É possível imaginar que a direita era a favor da aprovação da lei, enquanto que o pedido enviado ao Tribunal Constitucional, questionando a compatibilidade da lei com a Carta vigente dos Direitos da Cidadania foi obra dos comunistas. Aqui é preciso diferenciar: o acerto de contas com o passado é questionado principalmente pelos comunistas, um pouco menos pelos socialistas, o Partido Social-democrata é em alto grau anticomunista. O Partido comunista na República Tcheca não foi proibido, apesar de muitos pedidos, pois o seu estatuto atual está de acordo com o regime vigente. Como podemos ver, as coisas não são assim tão simples – por ex. a mencionada Lei de Lustração foi vetada pelo então presidente da Tchecoslováquia Václav Havel, ou seja, um homem que foi perseguido pelo regime comunista, que nos tempos de comunismo foi condenado a prisão por suas convicções. O parlamento derrubou o seu veto. A tentativa de descrever o fundo político das questões acima significaria a necessidade de escrever um longo artigo sobre este tema. Penso que isso não seria tão interessante para o leitor brasileiro.

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