Nova Previdência ponto por ponto, comentada. Um resumo:

Aurélio Schommer
Depois um post para cada ponto, com mais detalhes.

1. Diagnóstico. Somando RGPS, RPPS e BPC, temos um deficit anual de R$ 351 bilhões e subindo. Com o deficit dos estados, certamente passamos de R$ 400 bilhões. Isso significa R$ 400 bilhões de carga tributária necessária extra para cobrir despesas além das que são próprias ao Estado: saúde, educação, segurança, defesa, judiciário, relações exteriores, infraestrutura. Significa também estar R$ 400 bilhões atrás em custo agregado para a cadeia produtiva na competição com países sem deficit.

2. A proposta prevê uma economia de R$ 1,164 trilhão em dez anos. Como se vê, não resolve o deficit, apenas o diminui. Os que produzem e consomem seguirão trabalhando extra para cobrir o deficit. Seria necessária uma reforma que economizasse R$ 3,5 trilhão em dez anos, obviamente inviável politicamente e legalmente, pois não se pode prejudicar o direito adquirido.

3. Recebem um salário mínimo 66,5% dos aposentados pelo RGPS. Para esses, só muda por ora a contribuição sobre o salário, que diminui, como se verá adiante.

4. Aumenta a progressividade das alíquotas no RGPS. No geral, há perda de arrecadação, estimada em R$ 27,6 bilhões em dez anos. Alíquotas progressivas seriam incabíveis num sistema de capitalização individual. Mas, no modelo de repartição, trata-se de cuidar melhor dos mais pobres, solidariamente, e desonerar o único emprego que tende a continuar nos moldes tradicionais: o emprego de salário mínimo, que, a propósito, já deve estar acima da produtividade, especialmente no Nordeste. O trabalhador de salário mínimo passa de uma alíquota de 8% para outra de 7,5%.

5. Alíquotas progressivas para servidores públicos das três esferas. Bom para os servidores municipais, que terão redução de alíquota de até 3,5% (entre os municipais, há muitos recebendo um salário mínimo). Ruim para os privilegiados do topo da pirâmide, que terão aumento de alíquota efetiva de até 5,79%. Justo, justíssimo, especialmente para os ingressados antes de 2003, com direito a salário integral na aposentadoria.

6. O tempo mínimo de contribuição no RGPS aumenta de 15 para 20 anos, o que é muito razoável, convenhamos. Passa a haver idade mínima, como em todo resto do mundo civilizado. Para os mais pobres, em especial as mulheres, muda pouco. São raras as mulheres pobres que conseguem somar 35 anos de contribuição antes dos 62 anos.

7. Na aposentadoria rural, pouco se mexe. Passa-se a exigir 20 anos de contribuição no lugar dos 15 atuais. A idade mínima é unificada para 60 anos, idade hoje exigida apenas dos homens. Como se vê, o homem do campo não será mais exigido.

8. Professores do ensino básico passam a se aposentar aos 60 anos, tendo pelo menos 30 anos de atividade como professores. Não vejo por que devessem se diferenciar de um encanador ou de um atendente do comércio (que passa o dia todo em pé), mas, enfim, a prestigiada categoria (tem de ser prestigiada mesmo) ganha sua exceção.

9. O valor do benefício passa de 60% da média dos salários de contribuição para quem contribuiu apenas por 20 anos, até 100% da média (e além, após o fim da transição) para quem contribuiu por 40 anos. Isso é mais do que se recebe efetivamente pela maioria hoje quando se aplica o fator previdenciário. A regra é generosa em contraste com a de outros países do mesmo nível de renda. O valor não pode ser inferior ao mínimo. Ou seja, para 2/3 dos que irão se aposentar, não muda nada.

10. Há três opções de transição, à escolha do aposentando. A primeira é a que está em vigor desde a minirreforma Levy-Dilma, progressiva, de soma de tempo de serviço + tempo de contribuição. Recomeça a conta em 2019 com 86 para mulheres, 96 para homens. Ou seja, uma mulher com 35 anos de contribuição poderá se aposentar com 51 anos de idade. Um homem com o mesmo tempo, aos 61 anos. Os valores dessa regra sobem até atingir 100 e 105 respectivamente em 2033 (os homens, em 2028). A opção de aposentar por idade começa em 61 anos para homens até atingir 65. Para mulheres, começa em 56 e vai a 62, em 2031 (os homens, em 2027). Por que tanta diferença de tratamento para homens e mulheres, se elas vivem significativamente mais (passam mais tempo recebendo o benefício)? É uma opção política, de uma sociedade paternalista para com as mulheres. A maior parte dos países já eliminou ou está eliminando essa diferença de tratamento. O argumento da "dupla jornada" é afirmação de um velho modelo de lar que nunca foi universal e ora é residual. Nessas duas formas, professores têm um desconto de cinco anos. A última alternativa é a opção pelo fator previdenciário (em vigor para todos hoje) para quem está a menos de dois anos de se aposentar, com pedágio de 50% sobre o tempo restante (meio ano para cada ano que falta). A opção só é interessante para quem ganha o mínimo ou muito perto do mínimo.

11. Há uma regra de transição para quem não tem os 30 ou 35 anos de contribuição respectivamente e opta por se aposentar por idade. Começa em 60 anos para as mulheres. Homens não tem esse benefício, mas tanto eles quanto elas começam em 2019 com exigência de 15 anos de anos de contribuição mínimos, só chegando à exigência de 20 anos em 2029.

12. Transição no RPPS é igual a do RGPS para ingressados após 2003 (nenhum servidor se aposenta sem idade mínima desde aquele ano). Para ingressados antes de 2003 que desejem integralidade e paridade (regime em extinção), terão de trabalhar até 62 (elas) e 65 anos (eles) respectivamente, com uma pequena possibilidade de se aposentar antes disso durante a transição pela soma de anos de contribuição + idade. Justo, justíssimo, mas nos preparemos para enfrentar o lobby contrário das corporações.

13. Policiais civis, federais e agentes penitenciários e socioeducativos se aposentarão aos 55 anos (desde que com tempos de contribuição e exercício diversos para homens e mulheres). Para quem ingressou após 2013, não será interessante ir para casa tão cedo.

Deixo as regras de pensão e BPC para post específico.


Acréscimos:

Enfrentando a questão do BPC/LOAS, da qual se aproveita parte da esquerda para atacar a Nova Previdência.

Como é hoje: um salário mínimo para maiores de 65 anos.

Como fica: R$ 400 a partir dos 60 anos, um salário mínimo para maiores de 70 anos.

Em primeiro lugar, no mundo todo, onde existe esse benefício (renda sem correspondente contribuição), ele é muito inferior ao salário mínimo. Inferior mesmo a 40% do salário mínimo. E exige 70 anos ou mais. Em alguns países, há a progressividade: quanto mais idoso, mais recebe, mas nenhum país, sob pena de desincentivar de vez a contribuição previdenciária e lograr quem contribuiu, paga ao não contribuinte o mesmo que paga ao contribuinte.

Deixar em 65 anos, como é hoje, sabendo que o contribuinte só se aposenta aos mesmos 65 anos, é chamar de trouxa quem contribuiu, pois passaria a ser um "tanto faz".

Precisamos incentivar todos a contribuir para o sistema previdenciário público. Ele não pode ser financiado todo por impostos, sob pena de não sobrar um centavo para saúde, educação, segurança etc. A mudança no BPC, antes de visar economia de recursos, visa valorizar quem contribuiu em detrimento de quem não o fez.

Ou se prefere R$ 700, o que já seria generoso comparado a outros países, para todos aos 65 anos?


...

Revolta ouvir o discurso de políticos como Flávio Dino, posando de defensor dos pobres.

"Ah, os pobres".

Quem são os pobres no Brasil?

Os mais pobres não contribuem para a previdência. Eles não têm emprego formal. O máximo que eles conseguem, quando conseguem, é um BPC/LOAS, jamais terão tempo de contribuição para uma aposentadoria. E esses são dezenas de milhões. Dizer que os defende partindo da premissa de que podem se aposentar aos 52 anos, com 35 anos de contribuição contínua (começando aos 18, quem começa formal aos 18 hoje?), é falsidade calculada. Essa forma de aposentadoria é completamente inacessível à totalidade das classes D e E (27% da população total) e a grande parte da classe C.

Depois vêm os pobres que estão quase sempre empregados, mas sempre ganhando salário mínimo ou pouquíssima coisa a mais. Esses talvez, com muita sorte, cheguem a se aposentar por tempo de contribuição e são hoje dois terços (2/3!) do total dos que se aposentam pelo RGPS (contando os que se aposentam por idade).

Vejamos um exemplo típico de pobre dessa categoria. A trabalhadora em serviços de limpeza que dá expediente numa repartição pública via empresa terceirizada (há centenas de milhares delas). Ela tem 55 anos e, sortuda entre as sortudas, conseguiu ter 25 anos de carteira assinada, de contribuição previdenciária. O que ela perde com a reforma? Nada, absolutamente nada. Pelo contrário, ganha uma redução na alíquota de contribuição para já, imediata. Talvez ela chegue na idade e não queira parar de trabalhar, pois ela dá um jeito de vir a pé de casa e passar o vale-transporte para o filho que trabalha como camelô. Mas gente como Flávio Dino nunca viu isso de perto, ou ele conversa com a senhora terceirizada que limpa seu palácio de governador para saber o que ela acha de reforma da previdência?

Os pobres somados (classes C, D e E) são quase 80% da população brasileira. Eles não perdem nada com a reforma proposta. Pelo contrário. Abre-se a eles a perspectiva de driblar o atual fator previdenciário, em que você contribui sobre três salários mínimos, se aposenta com menos de dois e logo está ganhando só um.

Hipocrisia. Estão a defender as carreiras dos altos funcionários públicos, que com a reforma se aposentarão bem mais tarde (hoje se aposentam cedo porque sempre contribuíram, estavam sempre empregados, ora) e terão de contribuir mais, o que é justo. Com a aposentadoria dos magistrados, como Flávio Dino, dos procuradores, da nata da nata, que acumula seus auxílios-moradias e quetais (penduricalhos fora da base de cálculo da contribuição previdenciária).

Quem está preocupado verdadeiramente com os pobres quer a reforma, reforma para valer, para dar um mínimo de sustentabilidade a um sistema que no futuro possa garantir o pagamento de uma aposentadoria ou de um BPC. É isso que está em jogo para os pobres.

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