Fui líder estudantil em 2003-4, quando, com 20 anos, já me formava em filosofia. Representante de classe, orador de turma, diretor sociocultural do Diretório Central dos Estudantes (DCE), vi bem de perto dos tentáculos partidários na universidade. Todos de esquerda, bem entrosados com o PT. E democracia, essa "frescura burguesa", não era o forte deles.
Ingênuo, estranhei e discordei quando quiseram simplesmente fazer os estudantes pensarem tal coisa, votarem em Fulano e odiarem Ciclano, e aderirem às pautas tais e quais, em meio a palestras, gritarias, manifestações, festas e bebedeiras criadas ou usadas para atrair incautos.
Quando diretor, ainda crendo que eram apenas bem-intencionados, apresentei uma proposta de estudos políticos para que estudantes de todas as áreas pudessem se instruir e se informar.
A ideia era fazer leitura conjunta e comentada dos grandes livros da política, e trazer palestrantes e convidados para debatermos política estudantil, local, municipal estadual, nacional e mundial. A proposta foi aprovada, mas com ressalvas, pela diretoria do DCE – tinha que ser um grupo de estudos marxistas.
Até fiz um plano de leitura das obras de Marx com uma amiga que estudava Ciências Sociais na Unicamp, mas pensei: Isso é interessante para mim, para ela e para os esquerdistas convictos com os quais convivo, mas não para a generalidade dos estudantes, que têm que saber de cada visão um pouco, e, uma vez iniciados, que aprofundem o que quiserem.
Nada feito. Tinha que ser um núcleo de estudos marxistas. Você fez?
Nem eu.
Mais: na minha frente, diziam o mesmo que falou Boulos, na maior cara de pau, em sua mais recente entrevista ao Roda Viva:
"Lula fala e faz o que a burguesia e a classe média aprovam só para ser eleito e ter governabilidade, mas na América Latina ele vai criando os meios para, depois de algumas décadas, fazer uma grande revolução com a tomada do poder e a instituição da ditadura do proletariado."
Eram quase todos filiados a partidos de esquerda, principalmente ao PCdoB.
Na lista de e-mails (rede social da época) gerenciada pelo mesmo grupo, e de que eram integrantes estudantes de todos os campi da universidade, e todos os representantes de classe, uma aluna de história que gostava de relativizar a culpa dos bandidos, mandou e-mails sobre um dos crimes mais nojentos que tive a infelicidade de conhecer.
Um menor de idade se uniu a dois homens para matar um rapaz, após cruel sessão de tortura, e para abusar de uma moça, sua namorada, até a morte. O casal de adolescentes fugiu para namorar e se deparou com esses demônios.
A futura historiadora disse o seguinte, quase com as mesmas palavras, sobre Champinha, o menor assassino, torturador e estuprador: "Ele vem de uma situação de exclusão, não tem acesso a nada que esses jovens têm, vive na miséria, na raiva acumulada, e na periferia do consumismo. Nunca vai ter o que o rapaz tinha, nunca vai ter garotas bonitas como aquela, então ele foi lá e pegou. É o capitalismo que faz isso, e se ele é uma vítima do sistema, não merece nossa condenação."
Respondi que ressentimentos sociais jamais poderiam justificar tortura, sucessivos estupros, mortes cruéis. Fui o único. Naquele momento, tive a certeza de que não estávamos do mesmo lado, e que teria que usar a minha vida para lutar contra aquela ética de tiranos, de ladrões, de homicidas.
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