Por José Mário Tenente-Coronel, Aspirante em 1990 / APMP-PMPE
Uma introdução.
Lembro na semana que antecedeu ao lançamento do filme TROPA DE ELITE, de José Padilha no ano de 2007, onde um canal da imprensa se apressou e convidou 2 oficiais com brevês de OE no peito, para assistirem a exibição prévia, e darem suas respectivas opiniões.
Lembro também que até então não sabia ainda do que se tratava esse filme, pois tropa de elite era um termo ou forma de tratar que sempre ouvi muito quando de minha chegada à Corporação, e se reportava as equipes dos batalhões mais dedicadas, corretas e compromissadas com a segurança dos cidadãos de bem, e que sempre se revertiam naqueles profissionais de polícia que não somente cumpriam escalas ou jornadas de serviço, muito mais e principalmente, que seguiam em diligências horas, às vezes dias afim, buscando responsabilizar elementos criminosos que ousaram atentar contra nossos irmãos cidadãos civis durante o seus serviços na área. Muitas e muitas vezes essas equipes iam ao quartel apenas para entregar a viatura ao término do serviço (pois não existiam reservas!), e seguíamos nos nossos veículos (automóveis ou motos particulares...) buscando não perder as pistas, as dicas, as colaborações da comunidade... Não confundam com grupos de extermínios, esses existiam, mas não é sobre eles que nesse momento me reporto.
Ainda sem termos tido acesso ao filme, mesmo recebendo de um amigo uma cópia pirata, decidimos aguardar para assistir sim, de forma oficial, correta e assim não fugirmos a nossa ideia do que é certo e do valor que se deve dar a grandes esforços. Antes assistimos a entrevista dos 2 oficiais citados acima, os quais expressaram suas respectivas opiniões/impressões a respeito daquela que reputo A MAIS CLARA, SINCERA, CIRÚRGICA E COERENTE película a respeito das forças policiais no Brasil, mesmo que tenha esta abordado especificamente, mesmo de forma fictícia (?), nuances da polícia militar do Estado do Rio de Janeiro, a mais relevante e operacional polícia brasileira, a PMERJ. Os oficiais em questão prenderam-se a citar algumas cenas e outras passagens sem importância, buscando principalmente, apresentar algum ponto de discordância, senão por camaradagem, talvez por amadorismo, por inexperiência, por total desconhecimento do que se vive e convive nos batalhões das polícias brasileiras. Buscaram falar em tom de negação, como se o filme fosse na verdade, um grande e imenso equívoco, e não somente o próprio filme provou não ser, como hoje, mais de 10 anos depois, os fatos falam per si...
Logo na semana seguinte ao lançamento, fomos assistir essa tão esperada narrativa, e confesso que suei, fiquei nervoso, me senti na fila do necrotério e ao mesmo tempo de um cabaré, e para tanto esvaziamos os preconceitos, paradigmas, defesas mentais e tudo o mais que poderia nos impedir de “assistir” a realidade, a ficção levada a níveis de pragmatismos, pois somente assim poderíamos então, absorver todo o conteúdo desse primor de filme. Assim sendo, fomos levados pela memória, navegamos no subconsciente e penetramos na lembrança do que já passamos / sofremos / combatemos... Lembramos da corrupção já na feitura de escalas de serviços pelos sargenteantes (quem fica aqui, ou ali, ou mesmo sai de escalas...). Quem mantém contato com empresários e lojistas locais, buscando receber benefícios financeiros ou mesmo políticos (promoções, transferências, amortizações de punições...). Equipes que mantinham estreito relacionamento com a criminalidade local, as quais abordavam e apreendiam os materiais proibidos daquelas, mas faziam “vista grossa” dessas, dentre outros, e após a substituição dessas equipes, os homicídios e atentados contra a polícia e os cidadãos aumentavam consideravelmente (era a forma que eles tinham de amedrontar / submeter / impor, e que ainda são uma prática...).
Enfim, assistindo o filme eu, particularmente, não me surpreendi com absolutamente nada, pois trabalhei em quase todo o Estado, e sempre que chegava em alguma unidade, da capital ou do interior, o nível de (in) gerência política dentro dos quartéis ditava a (in) segurança da comunidade.
Quando bons comandantes eram prestigiados, operações policiais eram rotinas, prisões eram comuns, os vagabundos quase que desapareciam como num passe de mágica.
O oposto também era verdade, pois quando os comandantes eram aqueles que nunca FIZERAM absolutamente nada, via de regra eram alcoólatras, veados, sofriam de síndrome do pânico, eram policiais fracos e policiáveis, covardes, medrosos, ou mesmo tinham envolvimento com a criminalidade ou com o status quo criminoso local, a criminalidade beirava o caos, era como se não houvesse mais polícia, apenas os vagabundos ditando as nossas vidas. Vivi isso em várias cidades do Estado de Pernambuco, de Olinda a Petrolina, onde por mais distantes que estávamos da capital, um líder comunitário (!?) de nada na comunidade conseguia transferir sem muita conversa, qualquer soldado na região...
Vimos juízes, padres, vereadores, prefeitos e deputados, presidentes de CDL e outros segmentos terem mais poderes que o próprio comandante, os quais ditavam conforme SUAS próprias conveniências o que aqueles então “marionetes” na função de comandantes deveriam ou não deveriam fazer.
Em razão disso, veículos envolvidos em crimes de trânsito eram devolvidos, bem como armas de fogo, brancas e toda sorte de objetos alvos das operações, eram devolvidas aos seus usuários, muitas vezes até pelos mesmos policiais que os apreenderam, como forma de constranger e quebrar a fé no diferencial de CERTO e ERRADO. Quantas e quantas vezes não inutilizamos essas armas apenas para que não fossem usadas contra cidadãos de bem, antes mesmo de qualquer política de destruição de armas de fogo, e acreditem, não sou contra o cidadão portar ou usar arma, e sim os vagabundos, e as armas que apreendi sempre estavam sendo usadas por esses últimos.
Esse ESTADO DE COISAS perdura ainda hoje, ora mais, ora menos acentuado, mas perdura. O constrangimento aos comandantes para não serem comandantes funciona como uma demonstração de poder político ou mesmo financeiro, onde licitações são forjadas, viaturas locadas não são devidamente apresentadas, motocicletas são adquiridas por super faturamento, e quem dentro dos quartéis se levantou ou mesmo questionou essa forma de “lesa estado”? Ninguém! salvo quando atendia a outros setores políticos partidários (oposição). Esse quadro sofre um agravamento potencial no momento em que os déficit salariais são encobertos para aqueles que, com ou sem constrangimento, calam-se ou omitem-se enquanto detentores de cargos comissionados, uma tragédia que aleija, definha e constrange a Corporação, seja militar ou civil.
Enfim, sou fã desse filme, não pelo todo que apresenta, que para homens como eu já seria muito, e sim, principalmente, pelos 2 personagens narrados e suas desventuras, os aspirantes a Oficial Neto e André Matias, que antes mesmos de integrarem cursos de OPERAÇÕES ESPECIAIS, de serem socorridos pelos HOMENS DE PRETO (BOPE), já eram detentores daquilo que chamamos de HOMENS LIVRES, quais sejam, homens que recusam serem desonestos, covardes e se submeterem a covardias, seja por omissão, seja por conivência, antes buscaram “CAIR PRA DENTRO”, arriscar a pele por tudo aquilo que acreditavam ser importante e necessário aos seus juramentos enquanto profissionais da lendária PMERJ (ou todas as PPMM).
HOMENS LIVRES E VITÓRIAS JUSTAS, sempre!
Finalizo esse pequeno “pensar” com o desejo de que cada homem ou mulher que direta ou indiretamente esteja na linha de frente da SEGURANÇA PÚBLICA em algum lugar desse imenso país, com ou sem fardas, sigam seus instintos! Abracem a profissão! Não esmoreçam! Pois antes de qualquer curso, você aspira ser aquilo que tem de ser, um profissional de polícia que salva vidas!
Em tempo: no filme, o 01 desiste (risos), normal!
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