A Rússia e Putin



Vladimir Putin está, mais uma vez, no centro das atenções internacionais, depois de ameaçar usar o poder militar para invadir a Ucrânia.

Mas quem é esse sujeito? Como ele foi parar nesse lugar? O que pensa? Com quem governa? Onde quer chegar?

Eis a thread:
Vladimir Putin nasceu em 1952, em Leningrado, na extinta União Soviética, atual São Petersburgo, a cidade dos czares da dinastia Romanov.

Foi batizado pela mãe em segredo na Igreja Ortodoxa, escondido do pai, membro do Partido Comunista. A fé era um exercício subversivo na URSS.
Putin se formou em direito, antes de entrar na KGB, o serviço secreto da União Soviética, como oficial de inteligência.

No início, ainda morando com os pais, seu trabalho consistia em contra-inteligência e monitoramento de estrangeiros e funcionários consulares em Leningrado.
Como falava alemão, Putin serviu pela KGB por 5 anos em Dresden, numa Alemanha Oriental à beira da falência.

Nesse tempo, também atuou como membro da Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental.

Parte importante da sua identidade política foi moldada nesse período.
Em 1989, a Alemanha Oriental acabou. Putin servia no país. No Natal de 1991, foi a vez da União Soviética ruir.

Meses após voltar à Rússia, Putin foi nomeado conselheiro para assuntos internacionais do prefeito de Leningrado, Anatoly Sobchak. Em 1994, virou vice-prefeito.
Em 1997, numa escalada meteórica, Putin virou assessor do presidente da Rússia, Boris Yeltsin. E é a partir deste ponto que ele se torna uma das figuras mais influentes do Kremlin, ocupando cada vez mais destaque na linha de sucessão presidencial.
Em 1998, Putin assumiu a direção do Serviço Federal de Segurança (FSB), a agência que substituiu a KGB. Ficou no cargo por um ano, até virar primeiro-ministro. Mas 4 meses depois, com a renúncia de Yeltsin, virou presidente interino, e então, em março de 2000, presidente eleito.
Putin escalou rapidamente até o ponto mais alto do Kremlin, subestimado por inúmeros atores políticos e econômicos que o enxergavam como um nome transitório, utilizando da inteligência russa e do vácuo de lideranças no país.

Não é difícil entender como isso aconteceu.
A Rússia pós-soviética não se transformou numa democracia - virou um Estado em decomposição, capturado pela elite soviética e a máfia russa (com muitos ex-agentes da KGB oferecendo serviços aos chefes do crime organizado), com oligarcas abocanhando imensas fatias do país.
Da noite para o dia, um pequeno grupo de empresários passou a controlar até 70% das finanças russas, ocupando enorme influência política.

Eles formavam o Semibankirschina, um grupo que ajudou a reeleger Boris Yeltsin, altamente impopular, com uma complexa manipulação de massa.
É nesse contexto que Putin ascende. Ele estava no lugar certo, na hora certa. Prometeu proteger Yeltsin, adoecido e decadente, e seu grupo, conquistando o apoio de oligarcas importantes - como Roman Abramovich, atual dono do Chelsea - para colocar a FSB/KGB no centro do poder.
Ao assumir a presidência, Putin desmanchou o Semibankirschina, prendendo alguns oligarcas no início dos anos 2000, expulsando outros do país, protegendo os mais próximos.

Do grupo, seu maior adversário foi Boris Berezovsky, encontrado morto em condições suspeitas, em 2013.
Aliás, esse é um clichê russo: os adversários de Putin adoecem ou morrem, geralmente envenenados.

É com amplo controle político, usando os melhores instrumentos da inteligência russa, que Putin virou o mais longevo líder do país desde Stalin.

Mas com qual objetivo?
Estes são os princípios orientadores do putinismo:

1. estado forte,
2. centralismo,
3. sentimento antiocidental,
4. valores socialmente conservadores,
5. antiliberalismo,
6. jingoísmo,
7. antipluralismo,
8. hipermasculinidade,
9. culto à personalidade,
10. expansionismo.
Putin é um siloviki. E o putinismo é sustentado por um clã siloviki - ou seja, por ex-agentes dos serviços secretos soviéticos, e da força russa, que ascenderam ao poder.

São os siloviki que detêm as rédeas da política e economia russa, um poder maior do que o de outras elites.
Putin também construiu sua própria oligarquia bilionária.

Esta reportagem do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos analisa a fortuna de diferentes bilionários conectados a Putin (em especial, magnatas dos setores de energia e finanças).



As the West takes aim with Russian sanctions, here’s what we know about oligarchs’ secret finances - ICIJICIJ investigations over the years have uncovered massive money movements by prominent Russians close to President Vladimir Putin who have earned scrutiny by international authorities.https://www.icij.org/investigations/pandora-papers/as-the-west-takes-aim-with-russian-sanctions-heres-what-we-know-about-oligarchs-secret-finances/
Governando com a força militar e econômica, há pouco espaço para questionar Putin.

No ranking de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras, com 180 países, a Rússia ocupa a posição 150.

A ausência de uma sociedade civil organizada engessa a estrutura política do país.
O partido de Putin, o Rússia Unida, abriga 68% dos governadores da Rússia, 72% dos assentos da Duma Federal (a câmara baixa), 82% dos assentos do Conselho de Federação (a câmara alta) e 71% dos assentos dos parlamentos regionais.

Na prática, aprova o que quiser, quando quiser.
Controlando a inteligência russa, as forças militares, a elite econômica, a imprensa, o parlamento e o judiciário, Putin virou um czar.

Ele governa a Rússia há 22 anos, alterando a constituição, boicotando eleições livres e driblando o rito legal.
Em 2008, ao fim do segundo mandato presidencial, Putin virou primeiro-ministro para continuar governando a Rússia.

Em 2012, ele ganhou um terceiro mandato presidencial e, em 2018, um quarto.

Em 2020, alterou a constituição e agora poderá ficar no poder até 2036.
Putin não quer uma revolução proletária marxista-leninista - quer reconquistar a importância perdida de seu país e afastá-lo do cenário de humilhação e constrangimento da década de 1990.

Putin quer tornar a Rússia grande novamente e restaurar o orgulho nacional.
O nacionalismo de Putin não é baseado na etnia russa, mas na defesa da comunidade cultural russkii - o tal Mundo Russo. Putin enfatiza língua, história e cultura russa como pontos focais para reforçar a unidade histórica dos eslavos orientais (russos, ucranianos e bielorrussos).
Putin também protesta contra a ordem unipolar americana e defende um mundo multipolar em que os países de seu perímetro, em especial o Mundo Russo, são influenciados pelo Kremlin e servem como escudo de proteção contra a OTAN.

Os povos destes países reclamam dessa influência.
Putin não pensa como um líder político tradicional. Pensa como um espião. Mais do que isso: como um espião treinado para desmantelar a inteligência estrangeira. E age no cenário internacional refletindo esses valores - os mesmos da Okhrana czarista, da KGB soviética e da FSB.
Com essa mentalidade, e uma cultura política construída à base de traições e assassinatos - dos czares aos soviéticos, do pós-Guerra Fria ao putinismo - o Kremlin é paranóico e conspiracionista. E sua influência no mundo ajuda a torná-lo ainda mais paranóico e conspiracionista.
O putinismo promove um mundo mais isolado e desconfiado, mais fechado à democracia e vulnerável à manipulação.

Muitas de suas ideias têm ressonância global - o que torna este um desafio ainda maior para um Ocidente a cada dia mais inseguro sobre os seus próprios valores.

Rodrigo da Silva

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